por Friedrich Engels
O oportunismo pequeno-burguês dos literatos
I
A luta no partido alemão não me surpreendeu. Em um país pequeno-burguês como a Alemanha, é impossível o partido não ter uma ala direita pequeno-burguesa “culta”, que será marginalizada no momento decisivo. O socialismo pequeno-burguês data, na Alemanha, de 1844 e já foi criticado no Manifesto comunista. Ele é tão imortal quanto o próprio pequeno-burguês alemão. Enquanto a lei antissocialista estiver em vigor, não sou a favor de que nós provoquemos a cisão, porque nossas armas não são as mesmas. Mas se esses cavalheiros provocam por si mesmos a cisão, ao deformar o caráter proletário do partido e ao buscar substituí-lo por uma filantropia estético-sentimental sem força nem vida, então devemos aceitá-la!
F. Engels a J. P. Becker, 15 de junho de 1885.
Werke. Ed. cit., 36, 1967, p. 328.
II
O fato de Neue Zeit deixar de ser publicada não é nenhuma desgraça para o partido. É cada vez mais claro que a maioria dos literatos do partido alemão é composta por oportunistas e velhacos que se sentem, de uma perspectiva literária, bem acomodados com a lei antissocialista por mais desagradável que ela lhes tenha sido da perspectiva pecuniária; eles podem se expressar bastante abertamente (e nós, ao contrário, não podemos lhe dar uma surra). Daí que a simples tarefa de encher todos os meses um periódico deste tipo exige muita tolerância, que tem como resultado ele ser gradualmente infestado por filantropia, humanitarismo, sentimentalismo e todos os demais vícios antirrevolucionários dos Freiwald, Quarck, Schippel, Rosus[1] etc. Gente que não quer aprender fundamentalmente nada e que só que fazer literatura sobre a literatura e com motivos da literatura (99% do que se escreve atualmente na Alemanha consiste em escrever sobre outros escritos) consegue, naturalmente, mais páginas impressas por ano que aqueles que estudam algo com seriedade e que só desejam escrever sobre outros livros quando: 1) tenham domínio destes outros livros; 2) quando houver neles algo que valha a pena comentar. A preponderância daqueles cavalheiros na literatura impressa da Alemanha, produto da lei antissocialista, é inevitável enquanto essa lei estiver em vigor. Para contrarrestá-la, temos — na literatura que se publica no estrangeiro — uma arma que golpeia de uma forma totalmente distinta.
F. Engels a K. Kautsky, 19 de julho de 1884.
Werke. Ed. cit., 36, 1967, pp. 176-177.
A doença do sectarismo
O Prolétaire foi o órgão de um núcleo de operários parisienses com inquietações literárias, mas de mentalidade extremamente estreita. A regra era que somente os operários autênticos podiam participar no Conselho de Redação ou colaborar no jornal. Reinava o ódio mais estúpido, ao estilo de Weitling, contra os “instruídos”. Como resultado, o jornal era inconsistente sob todos os pontos de vista, mas tinha a pretensão de expressar as ideias autênticas do proletariado de Paris. Daí o ódio mortal e a constante intriga — apesar dos protestos de amizade — contra todos os jornais paralelos, inclusive os Egalité[2].
F. Engels a E. Bernstein, 25 de outubro de 1881.
Werke. Ed. cit., 35, 1967, p. 229.
“O motim dos literatos”
I
É impossível descrever os modos do sr. Ernst para comigo e não achá-los simplesmente pueris. Lamento muito que se trate de um homem doente que se veja obrigado a escrever para viver. Mas quem dispõe de uma fantasia tão rica que é incapaz de ler uma linha sem entender completamente o oposto do que nela está escrito pode empregar sua fantasia em outro âmbito, mas não no socialismo. Que escreva romances, dramas, crítica literária e outras coisas neste mesmo estilo; com isso prejudicará somente a cultura burguesa e nos favorecerá. É provável que então se aperfeiçoe o suficiente para produzir algo para nosso campo. Não obstante, devo dizer que jamais pude encontrar em outro lugar tamanho acúmulo de absurdos imaturos e tão absoluta imbecilidade como a demonstrada por esta oposição. E esses jovenzinhos imaturos que não enxergam além de sua ilimitada presunção querem prescrever a tática do partido! Uma só correspondência de Bebel e do Arbeiter Zeitung[3], de Viena, me informam mais que os despropósitos destes senhores. E eles pensam ser mais valiosos que esta clara inteligência que aprecia as circunstâncias com extraordinária exatidão e sabe expô-las tão convincentemente em apenas duas palavras! São todos uns literatos fracassados, mas até o literato afortunado é um sujeito pouco agradável.
F. Engels a Conrad Schmidt, 27 de outubro de 1890.
Werke. Ed. cit., 37, 1967, p. 494.
II
Nos últimos dois ou três anos se incorporaram ao partido inúmeros estudantes, literatos e outros jovens burgueses fora de sua classe. Chegaram a tempo de ocupar a maioria dos cargos nas redações dos novos jornais que proliferaram; como é lógico, veem na universidade burguesa a escola socialista de Saint Cyr[4] que lhes confere o direito de ingressar “na fileiras do partido” com o grau de oficial, quando não de general. Todos estes senhores se ocupam do marxismo, mas de uma categoria que você conheceu bem na França há dez anos e da qual Marx dizia: “Neste caso, a única coisa que sei é que eu não sou marxista!”. Provavelmente, ele diria sobre estes senhores o mesmo que Heine disse de seus imitadores: “Semeei dragões e a colheita me trouxe pulgas”.
A incapacidade desta gente só pode se comparar à sua arrogância [...].
F. Engels a Paul Lafargue, 27 de outubro de 1890.
Werke. Ed. cit., 37, 1967, p. 450.
III
Com relação ao outro Labriola[5], é provável que a maledicência que você lhe atribui tenha direito de existir em um país como a Itália, onde o partido socialista, assim como todos os demais partidos, foi invadido por algo muito semelhante a um gafanhoto, por essa “juventude burguesa sem classe” da qual Bakunin tanto se orgulhava. Resultado: preponderância do diletantismo literário, muito afeito ao sensacionalismo e que inevitavelmente está acompanhado do nepotismo que impera na imprensa. Você não tem culpa de que isso seja assim, mas, como todos, também sente a influência deste meio. No mais, poderia continuar falando com você de Labriola, mas se encontro na Critica sociale[6] fragmentos das minhas cartas particulares sem meu consentimento, você compreenderá que é melhor que cale.
F. Engels a Fillipo Turati, 28 de junho de 1895.
Werke. Ed. cit., 39, 1968, p. 491.
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Notas:
[1] Colaboradores do periódico Neue Zeit.[2] Egalité (Igualdade): jornal socialista, fundado em Paris, em 1877, por J. Guesde e renovado em 1880-1881; em 1889, tornou-se o órgão do Partido Operário Francês.[3] Órgão central do Partido Social-Democrata austríaco, fundado em 1899.[4] Escola de excelência de oficiais da França.[5] Antonio Labriola.[6] Revista socialista (que logo se tornou reformista). Editada em Milão desde 1891.
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MARX, K.; ENGELS, F. Cultura, arte e literatura: textos escolhidos. Trad. José Paulo Netto e Miguel Makoto Cavalcanti Yoshida. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 275-278.
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