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terça-feira, 13 de maio de 2025

ARTE REALISTA| O Casamento dos Pequenos Burgueses

O Casamento dos Pequenos Burgueses
Chico Buarque

Ele faz o noivo correto
E ela faz que quase desmaia
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a casa caia
Até que a casa caia

Ele é o empregado discreto
Ela engoma o seu colarinho
Vão viver sob o mesmo teto
Até explodir o ninho
Até explodir o ninho

Ele faz o macho irrequieto
E ela faz crianças de monte
Vão viver sob o mesmo teto
Até secar a fonte
Até secar a fonte

Ele é o funcionário completo
E ela aprende a fazer suspiros
Vão viver sob o mesmo teto
Até trocarem tiros
Até trocarem tiros

Ele tem um caso secreto
Ela diz que não sai dos trilhos
Vão viver sob o mesmo teto
Até casarem os filhos
Até casarem os filhos

Ele fala de cianureto
E ela sonha com formicida
Vão viver sob o mesmo teto
Até que alguém decida
Até que alguém decida

Ele tem um velho projeto
Ela tem um monte de estrias
Vão viver sob o mesmo teto
Até o fim dos dias
Até o fim dos dias

Ele às vezes cede um afeto
Ela só se despe no escuro
Vão viver sob o mesmo teto
Até um breve futuro
Até um breve futuro

Ela esquenta a papa do netoE ele quase que fez fortunaVão viver sob o mesmo tetoAté que a morte os unaAté que a morte os una
 
Até que a morte os unaAté que a morte os una
 
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Sabiá Marrom: O Samba Raro De Alcione (BRA,1979) - Alcione.
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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

ARTE REALISTA| Golpe Neopentecostal


Sinopse: Tem muita gente mal-intencionada querendo se aproveitar da nossa bondade! (Porta dos Fundos)
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Golpe Neopentecostal (farsa, BRA, 2021), de Gustavo Chagas.
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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Silvia Federici: a importância e os limites de sua obra


por Jodi Dean
Liberation School

Silvia Federici: A exploração das mulheres e o desenvolvimento do capitalismo

Calibã e a bruxa, de Sílvia Federici, é uma obra clássica do feminismo anticapitalista. O livro examina o investimento do capitalismo no sexismo e no racismo, mostrando como a consolidação do sistema capitalista dependia da subjugação das mulheres, da escravidão dos negros e indígenas e da exploração das colônias. Federici demonstra que o trabalho não remunerado – especialmente o das mulheres confinadas ao ambiente doméstico e dos trabalhadores escravizados – é um suporte necessário ao trabalho assalariado.

Embora Federici parta de Marx – a principal contribuição de seu livro é o seu repensar da representação de Marx da acumulação primitiva – ela ainda assim rejeita a ideia marxista-leninista de que o capitalismo tem algumas características progressistas. Federici insiste que nunca houve nada de libertador no capitalismo, nem em sua expansão da indústria e da produtividade, nem em sua tecnologia, nem em suas capacidades de centralização e organização. Olhar a história da perspectiva das mulheres, afirma ela, nos diz o porquê. Em vez de estar ligada de alguma forma às dinâmicas desencadeadas pelo capitalismo, a libertação surge da luta e da resistência autônomas a essas dinâmicas. Este artigo interroga essas afirmações, questiona até que ponto Federici se afasta, critica ou constrói o marxismo e considera as implicações políticas que decorrem.

A favor ou contra Marx?

Federici apresenta sua análise como um afastamento crítico de Marx, como uma correção de algumas de suas omissões mais graves. Ela acusa Marx de ignorar o surgimento de uma ordem patriarcal que excluía as mulheres do trabalho assalariado e as subordinava aos homens. Ela sugere que o marxismo falhou em considerar o papel das mulheres na reprodução da força de trabalho e negligenciou a transformação do corpo feminino em “uma máquina para a produção de novos trabalhadores”[1]. E ela argumenta que, se Marx tivesse tomado a perspectiva das mulheres, ele nunca teria associado o capitalismo a um passo em direção à libertação porque ele teria visto que as mulheres nunca alcançaram os avanços em liberdade que os homens fizeram.

A análise de Federici teria sido mais forte se ela reconhecesse que estava estendendo, não se afastando de, o trabalho marxista clássico sobre a “questão da mulher”. Já em A origem da família, da propriedade privada e do estado, Engels apresenta o fator determinante da história como a “produção e reprodução da vida imediata”[2]. Ele inicia seu estudo apontando que o materialismo histórico parte da suposição de que a produção dos meios de existência e a produção do ser humano – a organização do trabalho e a organização da família – estabelecem o nível de desenvolvimento de uma sociedade. Atento às interconexões entre reprodução e produção, Engels associa o surgimento da propriedade privada e do valor de troca à “derrota histórica mundial do sexo feminino[3]. Os homens reivindicam propriedades em rebanhos, armas e instrumentos de trabalho. Eles insistem na herança e autoridade paternas, afirmando o controle sobre o lar. A subordinação resultante das mulheres na família patriarcal e depois na família monogâmica, explica Engels, reduziu-as à servidão: a mulher tornou-se escrava do homem, de sua “luxúria e um mero instrumento para a produção de filhos”[4]. A apresentação de Federici do corpo feminino como uma máquina para a produção de novos trabalhadores é, portanto, um entendimento que Engels teve um século antes.

Engels vê a família monogâmica como uma unidade econômica, o local da primeira divisão do trabalho, da primeira oposição de classe e da primeira opressão de classe. A monogamia está ancorada na propriedade privada, em um sistema em que os homens podem ganhar, possuir e herdar e as mulheres não. A esposa é uma serva; seu trabalho está confinado à família privada. Engels enfatiza que “a família individual moderna é fundada na escravidão doméstica aberta ou oculta da esposa”[5]. Mas nem todas as esposas: as mulheres proletárias, de fato, têm um grau de liberdade que falta às mulheres burguesas. Ganhando salários nas fábricas, as mulheres proletárias podem ser as principais provedoras de renda de suas famílias, eliminando assim qualquer base material para a superioridade masculina e aumentando a independência das mulheres proletárias. Engels não é ingênuo aqui. Ele reconhece plenamente o conflito entre o trabalho dentro do lar e o emprego em trabalho assalariado; não há tempo para uma mulher fazer os dois. Mas, em vez de pedir uma solução privada para o problema, em que casais redistribuam seu trabalho doméstico, Engels a socializa: a libertação das mulheres depende de sua participação na produção pública e da abolição da família monogâmica. Em contraste com Federici, então, Engels vê uma dimensão libertadora para o desenvolvimento capitalista, especialmente da perspectiva das mulheres proletárias. Oportunidades de ganhos também podem ser oportunidades de romper os limites do confinamento da vida familiar e comunitária. Uma diminuição na labuta do trabalho doméstico pode aumentar as possibilidades de liberdade.

A análise de Federici teria sido diferente se ela tivesse levado Engels em consideração? Talvez não. Seu foco está na Idade Média europeia e na transição para o capitalismo, porque ela encontra muito o que admirar no modo de vida dos servos oprimidos, mas relativamente autossuficientes. Ela ignora as relações patriarcais dentro das famílias camponesas e as expectativas restritivas associadas às comunidades agrárias coesas. O próprio Engels tem relativamente pouco a dizer sobre a Idade Média em A origem da família, da propriedade privada e do estado; ele considera o período principalmente em termos de códigos de cavalheirismo e o ideal de amor romântico e sexual. Sua preocupação é com as conexões entre a família e a propriedade privada, não com o surgimento do capitalismo.

A diferença em suas abordagens não depende da consideração das mulheres, mas da avaliação do feudalismo. Em outras palavras, é uma questão de tempo: em que ponto histórico e por meio de quais processos históricos as mulheres são subjugadas? Engels vê a família pré-burguesa e pré-capitalista como um arranjo econômico e hierárquico de produção e reprodução dependente da propriedade privada. A derrota das mulheres acontece na pré-história; as relações entre produção e reprodução estão dialeticamente interrelacionadas de tal forma que as mudanças ao longo do tempo podem ter dimensões tanto libertadoras quanto opressoras. Concentrando-se no campesinato feudal, Federici apresenta arranjos cooperativos e autossuficientes. A divisão sexual do trabalho é uma fonte de força: as camponesas frequentemente realizavam seu trabalho de fiar e colher juntas. Elas experienciam comunidade e solidariedade, não privação e isolamento. Federici, portanto, apresenta o capitalismo como um desenvolvimento social reacionário que enfraquece a posição das mulheres.

A violenta ascensão do capitalismo

Calibã e a bruxa analisa o fim do feudalismo e a ascensão do capitalismo na Europa. O livro inclui uma discussão de novos entendimentos da vontade, Razão e do corpo que aparecem na filosofia do século 17; numerosas reflexões sobre a continuidade da violência capitalista ao longo dos séculos; e um foco único na queima de bruxas como um instrumento de terror projetado para dividir e subjugar comunidades. Esta história de algumas das mais extremas violências políticas contra as mulheres – especialmente mulheres mais velhas, mulheres forasteiras, mulheres camponesas e mulheres com conhecimento único – acrescentou ao apelo de Calibã e a bruxa diante das leitoras feministas que desejam mais atenção ao lugar das mulheres na história do capitalismo. Embora o relato das bruxas e da queima de bruxas seja central para seu apelo, o núcleo teórico do argumento de Federici é seu relato da ascensão violenta do capitalismo.

Pintando com um pincel largo que confunde vários tempos e lugares, Federici apresenta o capitalismo como o efeito de uma contrarrevolução em resposta a séculos de luta antifeudal. Os camponeses se opunham ao recrutamento para o serviço militar, ao aumento da demanda por seu trabalho, à taxação arbitrária e à usurpação das terras comunais de que dependiam para obter alimentos e combustível. Nas cidades, trabalhadores diários e artesãos se rebelaram contra a nobreza e a burguesia mercantil. Movimentos de hereges não apenas se levantaram contra a autoridade da Igreja, mas ofereceram abordagens alternativas para a sexualidade e a reprodução. Por causa da liderança das mulheres nas comunidades heréticas, Federici encontra evidências nessas lutas de um movimento de mulheres de base voltado para a abolição de hierarquias e o estabelecimento de relações sociais igualitárias. A dizimação da população pela Peste Negra aumentou o poder dos trabalhadores e camponeses; os empregadores tiveram que competir por seu trabalho. Aldeias inteiras retiveram aluguel e serviços. Uma das maneiras pelas quais a classe dominante reagiu a essa erupção de poder vindo de baixo foi minando a solidariedade de classe por meio de violentas guerras sexuais. O estupro de mulheres proletárias foi descriminalizado. A prostituição foi institucionalizada em bordéis administrados pelo estado.

Federici enfatiza que a ascensão do capitalismo também foi uma resposta a uma crise de acumulação. Em parte por causa da rebelião incessante do povo e da recusa em trabalhar, a economia feudal tornou-se incapaz de se reproduzir. Em busca de novas fontes de riqueza, a classe dominante europeia voltou-se para a “conquista, escravidão, roubo, assassinato, em resumo, força”[6]. Marx descreve esta virada para a força em sua crítica poderosa da concepção da economia política burguesa da acumulação primitiva na parte oito d’O capital. A riqueza dos primeiros capitalistas não era resultado de trabalho árduo, frugalidade e inteligência, mas de sanções estatais e violência extra-legal que separou os trabalhadores de suas terras, privou-os dos meios de subsistência e os forçou a vender seu trabalho poder para sobreviver.

Essa dimensão europeia da acumulação primitiva foi acompanhada e dependente da extração de ouro e prata das terras colonizadas, do colonialismo, do genocídio e do comércio de escravos africanos. Mesmo que este ponto venha d’O capital, Federici argumenta que a análise de Marx assume a perspectiva do “proletariado industrial assalariado” e da formação do trabalhador independente “‘livre'”[7]. Ela o acusa de negligenciar os impactos da acumulação primitiva na posição social das mulheres e na reprodução da força de trabalho. Se Marx tivesse observado esses impactos, ele teria reconhecido como a acumulação primitiva era “também uma acumulação de diferenças e divisões dentro da classe trabalhadora[8]. Tal reconhecimento teria impedido Marx de associar o capitalismo a qualquer coisa semelhante ao progresso. Ele teria entendido que o capitalismo sempre impôs divisão e formas cada vez mais brutais de escravidão.

Grande parte da redescrição de Federici da acumulação primitiva aprofunda e estende o relato de Marx. Ela destaca os impactos específicos da privatização de terras e “cercamentos” na vida rural. Privados das terras comunais que lhes davam acesso a lenha para combustível, frutas silvestres e ervas, bem como a pequenas caças e pastagens, as dietas dos camponeses diminuíram significativamente. A fome aumentou. A perda das terras comunais também teve efeitos sociais; o espaço social foi eliminado e os laços familiares e comunitários desfeitos. Essa perda foi particularmente difícil para as mulheres que eram menos capazes de pegar a estrada em busca de trabalho (por causa das formas como isso as expunha à violência e por causa de suas responsabilidades como cuidadoras) e cuja falta de acesso a meios de subsistência as tornava dependentes de outros para a sobrevivência. Desvalorizado como improdutivo, o trabalho doméstico em casa foi considerado um dever natural das mulheres. As mulheres também foram excluídas do trabalho não-doméstico no comércio e no artesanato. Tal exclusão e confinamento foram codificados na lei, conforme as mulheres foram impedidas de celebrar contratos, receber salários ou possuir propriedades por conta própria. Em suma, quanto mais a produção era voltada para o mercado, mais se separava do trabalho reprodutivo.

Federici localiza a “derrota histórica” ​​das mulheres nesta nova divisão sexual do trabalho [9]. Ela argumenta que as mulheres proletárias em particular se tornaram um novo bem comum, o substituto para a terra que havia sido expropriada e fechada. O trabalho das mulheres era como um “recurso natural”, disponível gratuitamente e sem necessidade de consentimento ou compensação. Ela associa essa transformação das mulheres em bens comuns com o “patriarcado do salário”. A dependência específica das mulheres proletárias em relação aos maridos surgiu não apenas de sua exclusão do trabalho assalariado, mas do fato de que, mesmo quando eram incluídas no trabalho assalariado, seus maridos tinham direito ao seu salário.

Federici não apresenta esse ponto como uma expansão explícita de Marx. No entanto, Marx faz uma observação relacionada em sua discussão sobre a maquinaria em O capital. Observando como o acréscimo de máquinas deixa o capitalista faminto pela mão-de-obra mais barata de mulheres e crianças, Marx escreve: “Anteriormente, o trabalhador vendia sua própria força de trabalho, da qual ele dispunha como agente livre, formalmente falando. Agora ele vende esposa e filho. Ele se tornou um traficante de escravos”[10]. A ausência do direito da mulher ao seu próprio salário explica por que o marido proletário “vende” sua esposa e filho. Ele fica com o salário que ela ganha. Assim, embora Marx não tenha analisado a posição das mulheres como análoga a uma terra comunal (embora criticasse o casamento burguês como um sistema de esposas em comum e afirmasse que “o burguês vê em sua esposa um mero instrumento de produção”), ele não ignorou os efeitos brutais, degradantes e empobrecedores ​​do capitalismo sobre as mulheres [11].

Além disso, a discussão de Marx sobre a produção de uma superpopulação relativa de trabalhadores e os vários segmentos do exército industrial de reserva em O capital, bem como seus escritos sobre a “questão irlandesa”, documentam as maneiras pelas quais o capital – conforme produz o trabalhador social coletivo – trabalha ao mesmo tempo para criar e intensificar as divisões existentes dentro do proletariado. O ponto de Marx em O capital era mostrar como mesmo aqueles que estão desempregados ou sem trabalho – incluindo as “classes perigosas” que não entram na força de trabalho – ainda são membros da classe trabalhadora. Em vez de privilegiar o “proletariado industrial assalariado” como o resultado exclusivo e força revolucionária para derrotar o capitalismo, Marx insistiu que, quando olhamos para o capital como uma totalidade, “a classe trabalhadora, mesmo quando não está diretamente engajada no processo de trabalho , é tanto um apêndice do capital quanto os instrumentos comuns de trabalho”[12]. Como tal, esta classe expansiva de trabalhadores e oprimidos constitui o imenso contrapoder com o interesse e a capacidade de abolir a exploração capitalista.

Em sua discussão sobre a acumulação primitiva e o movimento dos cercamentos, Marx aborda o papel do poder estatal na expropriação dos camponeses de suas terras. Federici também analisa o papel do Estado, destacando duas maneiras pelas quais ele se envolveu na derrota das mulheres. A preocupação do Estado com o crescimento populacional o levou a tentar assumir o controle da reprodução e forçar as mulheres a procriar. Penalidades severas foram instituídas contra a contracepção, o aborto e o infanticídio. A obstetrícia foi colocada sob a supervisão de médicos homens. O Estado também instituiu formas de assistência pública em que alimentos seriam distribuídos aos pobres encarcerados em casas de trabalho. Federici argumenta que esta assistência marca “o primeiro reconhecimento da insustentabilidade de um sistema capitalista governando exclusivamente por meio da fome e do terror”[13]. Ao fornecer uma ajuda mínima às pessoas empobrecidas pelo capitalismo, o Estado funcionava para garantir as relações de classe, garantindo aos capitalistas um exército de reserva de trabalhadores. O Estado, portanto, assumiu a responsabilidade pela reprodução do capitalismo como um sistema

O terror de Estado contra as mulheres foi auxiliado pela amplificação da misoginia. As representações culturais das mulheres tornaram-se cada vez mais negativas. As mulheres eram demonizadas como bruxas, acusadas de vários crimes e vícios e, geralmente, consideradas inferiores e necessitadas de dominação.

Correlativa à subjugação das mulheres foi a subjugação das colônias. A expansão colonial, como Marx reconheceu, acarretou tanto o tráfico de escravos africanos quanto a conquista e o genocídio dos povos indígenas. Mais uma vez, os recursos culturais foram mobilizados para consolidar a divisão: “uma sociedade segregada e racista foi instituída de cima”[14]. Assim como o Estado privou as mulheres dos direitos de propriedade e de contrato, a nova legislação privou os negros e indígenas de direitos anteriormente detidos, tornando assim a escravidão uma condição hereditária. A preocupação com a fertilidade e a reprodução intensificou-se, concentrando-se agora na criação forçada de uma força de trabalho escravizada. É importante ressaltar que Federici não culpa os trabalhadores europeus brancos pelas condições encontradas pelos trabalhadores colonizados e escravizados. Ela acusa corretamente a classe dominante, demonstrando como ela continuou a usar o salário como instrumento de divisão e disciplina do trabalho. Os trabalhadores dos dois lados do Atlântico estavam ligados em uma linha de montagem global. Matérias-primas como açúcar, algodão e tabaco vinculavam o trabalho da plantação ao trabalho da fábrica, o não-assalariado ao assalariado. Experiências comuns de opressão vinculavam servos, devedores, criminosos e escravos em comunidades de resistência que a classe dominante tentava romper com o estabelecimento de categorias raciais e ideologia racista.

Federici dá atenção especial à criatividade das mulheres escravizadas do Caribe. Taxas de reprodução artificialmente baixas nas colônias sugerem que essas mulheres se recusaram a procriar, apesar dos esforços dos senhores de escravos para criá-las. Em algumas ilhas, as mulheres escravizadas não apenas mantinham hortas domésticas, mas também produziam safras suficientes para alimentar suas famílias e levar ao mercado para troca. Eles continuaram mesmo quando o cultivo e a venda foram proibidos, aprofundando suas conexões entre si e com algumas mulheres proletárias brancas. Federici admira a maneira como as mulheres caribenhas escravizadas desenvolveram “uma política de autossuficiência, baseada em estratégias de sobrevivência e redes femininas”[15]. Ela sugere que eles eram, de certo modo, livres mesmo antes de serem legalmente emancipados. Assim como em seu relato sobre os servos europeus, Federici destaca as condições de subsistência sobre a forma de trabalho, isto é, se o trabalho é formalmente gratuito

A acumulação de diferenças

Uma série de críticas pode ser dirigida contra Calibã e a bruxa: Federici deturpa Marx; o argumento é insuficientemente dialético; o relato histórico é tão amplo e impreciso que falha em retratar as diferenças muito reais em toda a Europa durante a Idade Média e, de fato, falha mesmo em especificar os anos e territórios em consideração. Essas críticas não seriam injustas. Mas eles perderiam o significado do livro para o feminismo anticapitalista. Federici modela uma análise atenta ao investimento do capitalismo na produção e intensificação das diferenças. Ela traz à tona como o capitalismo ampliou as diferenças entre os homens e as mulheres como uma forma de diminuir as mulheres poderosas e quebrar a unidade da classe trabalhadora. Ela descreve o mesmo processo em funcionamento no colonialismo, quando o racismo era imposto de cima para baixo para proibir e até demonizar o contato de brancos com negros e indígenas. Em vez de se ancorar na teoria da interseccionalidade liberal, Federici traça as lutas dos oprimidos e excluídos, as solidariedades que o capitalismo sempre busca destruir.

Federici dá a entender que Marx estava desatento à miséria que o capitalismo trouxe e continua a trazer aos trabalhadores. Nada poderia estar mais longe da verdade! Ele expôs incessantemente as misérias e horrores do sistema capitalista, descrevendo-o como monstruoso e vampírico, envolvendo “terrorismo imprudente”. Mas ele reconheceu a tremenda capacidade que os trabalhadores acumulam quando combinam suas energias – tanto na produção quanto na política. Foi o modo de produção capitalista que criou as condições para essa solidariedade de base ampla, até internacional. No capitalismo, esta capacidade produtiva é orientada para o lucro, a acumulação de capital nas mãos dos capitalistas, e as divisões dentro da classe trabalhadora são intensificadas para atender a essas necessidades. Sob o socialismo, as capacidades criativas e produtivas dos trabalhadores serão orientadas para atender às necessidades das pessoas e do planeta para que todos possam florescer.

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Notas:
[0] Tradução: Debora Cunha, LavraPalavra.
[1] Silvia Federici, Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e a acumulação primitiva (Autonomedia 2004) 12.
[2] Friedrich Engels, A origem da família, da propriedade privada e do estado, trad. Tristram Hunt (Penguin Books, 2010) 35. Engels nos diz que seu livro é reconstruído a partir das próprias notas de Marx.
[3] Ibid., 87. Original em itálico.
[4] Ibid., 87.
[5] Ibid., 105.
[6] Federici, Calibã e a bruxa, 62. Citando Marx, O capital, vol. 1.
[7] Ibid., 63.
[8] Ibid., 63.
[9] Ibid., 97.
[10] Karl Marx, O capital, vol. 1, trad. Ben Fowkes (Penguin Books, 1990) 519.
[11] Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do partido comunista.
[12] Karl Marx, O capital, vol. 1, 718.
[13] Federici, Calibã e a bruxa, 84.
[14] Ibid., 108.
[15] Ibid., 113.
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segunda-feira, 6 de abril de 2020

ARTE REALISTA| Profecia


Sinopse: Sonhei que meu Uno 97 ia quebrar e ele quebrou. Sonhei que o camarão que eu comi na praia ia me dar piriri, acordei já correndo pra privada. Realmente, Deus me deu um dom. (Porta dos Fundos)
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Profecia (farsa, BRA, 2020), de Rodrigo Van Der Put.
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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Glosas críticas ao artigo “A grande tarefa do marxismo é o sexo’’


por Eduardo Borges

As teses de Marília Moschkovich publicada no Blog da Boitempo[1] por um lado parecem estar corretas quando analisamos os desdobramentos argumentativos de todo o texto, no que tange a articulação da dialética marxista, isto é, tomando como premissa que em última instância é o momento subjetivo ou melhor, teleológico da classe em movimento em posição de combate que objetivará uma práxis verdadeiramente revolucionária, o sexo (sexualidade) enquanto constitutiva desses indivíduos determinados encontra-se em total imbricamento e possui um conteúdo revolucionário autêntico se tomado em sua inteireza. No entanto, creio ser bastante discutível tomar o sexo enquanto a grande tarefa do marxismo em geral. A investigação séria e honesta do ponto de vista teórico tem como o seu motor a própria realidade, que impõe aos homens de seu tempo a necessidade (categoria da necessidade) da investigação teórica, nesse sentido, creio termos questões mais urgentes que devem ser postas em primeiro plano, ainda mais se atentemos a realidade brasileira e sua situação de dependência estrutural.

Deixando essa segunda analise de lado, a análise crítica da autora relativo aos fenômenos da sexualidade, e, em relação ao modo como essas pautas (sexo enquanto ato sexual/sexualidade/gênero, raça) se envolvem na luta de classes, creio que seja de extrema importância e relevância para o debate da revolução brasileira. Pensemos sobre essas duas questões postas, aliás muito necessária que nos instiga a pensar, e nos força a ter um entendimento e um rigor teórico muito maior sobre essas questões como também, a ter um entendimento muito mais claro do materialismo histórico dialético.

I. Sobre o sexto parágrafo da autora

A tese é a seguinte; a autora vê que a tensão que surge na contradição às formas tradicionais de família, da estrutura material e simbólica do gênero dominante, do comportamento sexual ‘‘normal’’, que acarreta em negações, isto é, em outros modos de comportamento sexual, de estruturações de gênero ajuda a compreender essas próprias categorias como gênero, sexualidade, família etc. Sobre essa tese está tudo bem e claro, mas, o mais importante que se pode tirar desse parágrafo é a noção de que essas negações estabelecem uma relação dialética com as formas hegemonicamente dadas. A autora as trata como negações, e não como afirmações. Analisando desse modo (modo dialético), tais fenômenos sociais aparecem para nós enquanto carregado de conteúdo revolucionário, pois tais fenômenos carregam em si, um conteúdo critico (teórico e prático) a própria ordem.

Tendo em vista essa tese central, desdobrarei um seguinte exemplo que acho de extrema importância e relevância para pensarmos essas questões de modo teoricamente revolucionário. Para isso, já trago como premissa que a sexualidade é em última instância social; a determinação orgânica se submete a determinação social devido a mediação pelo trabalho: ‘‘Voltando ao homem: a adaptação biológica, que é uma adaptação passiva ao meio ambiente, é suplantada, com o trabalho humano, por uma adaptação ativa, que muda o meio ambiente.’’ Referindo-se ao que se pode denominar enquanto evolução e progresso humano sem nenhuma conotação ideológica Lukács completa:

O segundo ponto é o que Marx chamou de recuo das barreiras naturais. Isso quer dizer que, por meio do trabalho, um ser originariamente biológico se converte em um ser humano; com isso, o fator biológico não desaparece, mas é transformado (…) Quem preconiza uma sexualidade pura preconiza a sexualidade pura de 1970, (a do seu tempo) e não a de qualquer era remota. (Entrevista concedida por György Lukács para o jornal alemão Der Spiegel).

A partir do raciocínio da autora, vejamos por exemplo o fenômeno da bissexualidade. É sabido para nós que a heterossexualidade é uma forma construída sob bases concretas. Engels em seu livro Origem da família, da propriedade privada e do estado (1984) dirá que a propriedade privada aparece na história ocidental como um atributo masculino, a propriedade privada daquele ‘‘instrumento de trabalho’’ chamado escravo. Daí em diante até nossos tempos, mutatis mutandis, as formas de relação sexual, de família, gênero etc. são expressadas tendo em vista esse modo de organização material da vida social. Diferentemente do que pensa Freud em relação a bissexualidade, isto é, enquanto um estado biológico original dos seres humanos, a bissexualidade enquanto comportamento sexual não é biológica. Creio que a bissexualidade seja bem instrutiva para percebermos o conteúdo crítico dos fenômenos da sexualidade, e aqui defenderei a seguinte tese: não há bissexualidade em sociedades de classes.

Não existe sexualidade biológica, todo e qualquer comportamento sexual é histórico-social. A heterossexualidade o é, e a homossexualidade também. Esses comportamentos estabelecem uma relação dialética, pois ambas de certo modo são realizadas através de determinações que ambas colocam umas às outras. Uma não existe sem a existência e movimento da outra. Diferentemente do que pensa Freud, a homossexualidade não é um desvio a uma ordem dada num sentido patológico, mas uma negação das imposições sociais simbólicas e materiais (controle dos corpos para a reprodução social sob o capitalismo) da heteronormatividade. Ela é então um comportamento negativo, sendo o afirmativo a heterossexualidade. Ambas se assentam sobre condições materiais que os dão corpos simbólicos em um momento ontologicamente secundário. Ambas não são escolhas subjetivas individuais, mas comportamentos coletivos socialmente determinados. A bissexualidade, entretanto, não possui bases concretas, condições materiais para a sua manifestação plena. Quem se afirma bissexual, afirma apenas uma argumentação subjetiva e não pratica[2]. A bissexualidade existe apenas como um ideal elaborado teoricamente com correspondência ontológica, isto é, uma resolução das contradições existentes, ela seria então a síntese dessa contradição entre a heterossexualidade e a homossexualidade. Não há condições socialmente necessárias para a realização pratica (objetivação) da bissexualidade, haja vista que todas as formas de relação sexual e relacionamento são determinadas pelas estruturas consolidadas pela classe e gênero dominante. Desse modo ela só existirá quando viermos a destruir essas estruturas de classe e gênero.

Se seguirmos o raciocínio muito bem feito da autora, iremos notar que enquanto negação a ordem dada, a homossexualidade carrega em si conteúdos emancipatório, pois ela aparece enquanto um fenômeno critico, mas como em toda negação, ela também carrega em si continuidades da mesma ordem dominante, por isso a necessidade de pensarmos a sexualidade é de extrema urgência, ela é um campo aberto para o combate, pois a sua existência não necessariamente é revolucionária, precisamente por ela não ser a resolução do problema (do ponto de vista prático). Por isso existe gays machistas por exemplo, e lésbicas que reproduzem o comportamento também machista. Aqui fica claro que o grande problema está com o gênero masculino, que como vimos, ainda é o que carrega o maior poder material e por isso, político. Em tempos onde aumenta indivíduos homossexuais de direita e de extrema direita, fica claro que esse campo é um campo de combate, e se estamos ainda sucumbidos a sociedade capitalista, devemos potencializar o seu conteúdo critico de modo constituamos uma práxis verdadeiramente revolucionária. Aqui vale salientar o fracasso do arcabouço teórico e prático para com essas questões do pensamento liberal de esquerda. Tal pensamento tende a tratar a questão de modo mecanicista, isto é, como dois polos totalmente distintos. Seguindo esse raciocínio temos então que a homossexualidade por exemplo, seria uma afirmação e não uma negação, e, que sendo afirmadas num plano subjetivo ou através de uma emancipação política e não humana, os problemas com a opressão e a dominação estariam resolvidos.

Sobre a questão da bissexualidade, não dissemos aqui que todo indivíduo será bissexual numa sociedade sem classes, mas sim, que é apenas no comunismo que haverá liberdade concreta para todo e qualquer tipo de manifestação sexual e de relações afetivas plenas.

II. Sobre o sétimo parágrafo

Tirando o reducionismo (acaba sendo um erro lógico) semântico das categorias ontológicas universal e singular, que acaba por nivelar duas coisas distintas, a universalidade da luta de classes por um lado, e por outro lado, posições individuais (o homem branco ser minoria) daqueles que a defendem, o raciocínio da autora também me parece pertinente. O desdobramento da análise dialética é bem direta e sintética, e no final da argumentação, fica claro o que a autora quer nos dizer naquele reducionismo feito anteriormente. O reducionismo e erro lógico da autora é a seguinte frase: ‘‘Por que tanta resistência em abandonar um universal quando sabemos, já, que universalidades não passam de singularidades em posição de poder?’’ Uma coisa é afirmar que a questão de classe é uma singularidade tomada como universal, e outra é dizer que quem as defende são singularidades que se acham universais.

Tirando isso, o que decorre daí é um ótimo raciocínio daqueles que operam bem a dialética marxista. Porquê? Pois, o que a autora quer nos dizer, é que a universidade da questão de classe já foi moldada pelos novos acontecimentos históricos, isto é, a particularidade já determinou o caráter daquela universalidade até então reproduzida idealmente, que respondia bem a realidade até pelo menos a década de 60, onde a classe trabalhadora era operária e majoritariamente masculina nas sociedades capitalistas avançadas e também de certo modo nos países dependentes. Diferentemente de alguns marxistas vulgares que tendem a reduzir a dialética a um idealismo subjetivo, por desconhecer certas cartas de Engels[3] no debate acirrado que foi defender o pensamento de Marx depois de seu falecimento, e é claro, por falta de estudo dos escritos do próprio Marx, acabam por ver a questão de classe elaborada por Marx e Engels como uma categoria fechada, nas quais as pautas LGBT deveriam se ‘’submeter’’ a questão de classe, e não que essas pautas já sejam/estejam no corpo da questão de classe. Isso é fundamental.

Marx defende aquele movimento no qual, o mais complexo que determina, e nos faz entender o menos complexo, ou melhor, é o estágio mais desenvolvido (historicamente) que nos faz compreender um certo conhecimento anterior ou um processo histórico anterior, de modo que o que resulta daí uma elaboração teórica mais rica de determinações, isto é, mais universal, precisamente porque a análise da particularidade de um tempo resultou numa alteração (não total) da universalidade até então teorizada. O conceito (universal) até então significado se modifica, devido a categoria da particularidade, que é nada mais, do que aqueles fenômenos históricos já devidamente determinados pelo materialismo histórico-dialético, que se elevam a universalidade se assim o for, deixando de lado tudo aquilo que é acidental isto é, singular. Permitam-me aqui citar Marx em maior extensão:

A sociedade burguesa é a mais complexa e desenvolvida organização histórica da produção. As categorias que exprimem as relações desta estrutura, permitem-nos ao mesmo tempo entender a estrutura e as relações de produção das sociedades desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos ela se ergueu, cujos vestígios ainda não superados continua a arrastar consigo, ao mesmo tempo que desenvolve em si a significação plena de alguns indícios prévios, etc. A anatomia do homem dá-nos uma chave para compreender a anatomia do macaco. Por outro lado, as virtualidades que anunciam uma forma superior nas espécies animais inferiores só pode ser compreendidas quando a própria forma superior é já conhecida (MARX, 1979, p. 48).

Cabe então para nós, como Marx sugere, conhecer as determinações mais essenciais dessa problemática (sexualidade x classe) para saber se tais fenômenos são, primeiramente particulares e se eles se elevarão a universalidade. O raciocínio da autora nos leva nesse caminho, isto é, imbrica a sexualidade e essas ‘‘novas’’ pautas no marco da questão de classe de um modo dialético, cabe saber o como se dá essa relação para saber o que precipitará no fundo do frasco de ensaio. A questão de saber, é o que se encontra e pode ser universalizado nesse fenômeno particular, e não o que há de universal nesse particular. A primeira é a dialética marxista, a segunda o idealismo subjetivo.

III. Explicando com um exemplo didático esse idealismo subjetivo

Immanuel Kant na sua tentativa de compreender a noção ainda recém surgida de evolução biológica (início da biologia), tenta dar resposta através de sua concepção filosófica sobre este problema. Ele nega completamente a possibilidade de existir um processo evolutivo, onde as novas formas particulares acabariam por modificar a essência do conceito, isto é, de como um ser pode ser, e ao mesmo tempo estar em processo de Devir, modificando assim a essência daquele antigo ser. Ele não responde a essa questão, mas afirma a sua concepção de que há apenas, ou uma classificação dos universais contidos a priori num fenômeno particular, ou uma especificação do que há de universal, também já contido a priori, mas ainda desconhecidos. Em ambas há a determinação do universal no particular, no entanto o primeiro movimento é do universal ao particular e o segundo do particular ao universal. Dirá ele:

A forma lógica de um sistema consiste apenas na subdivisão de conceitos universais dados (como é o caso, aqui, daquele de uma natureza em geral), pensando o particular (aqui, o que é empírico), com a sua variedade, contido sob o universal, segundo um determinado princípio. Ora, se procedemos empiricamente e se nos elevarmos do particular ao universal, é necessária uma classificação do múltiplo, isto é, uma comparação de diversas classes entre elas, cada uma das quais se submetendo a um determinado conceito; e, quando elas se completam, segundo a notação comum, a subsunção delas sob classes superiores (gêneros), até atingir o conceito que contém em si o princípio de toda classificação (e constitui o gênero supremo). Se, ao contrário, começamos pelo conceito universal para depois descer ao particular, através de uma completa subdivisão, tal procedimento se deverá designar por especificação do múltiplo sob um conceito dado, pois se procede do gênero superior aos inferiores (subgêneros ou espécies) e da espécie às subespécies. Isso se exprime de modo mais justo se, ao invés de dizermos (como na linguagem comum) que se deve especificar o particular que se acha sob um universal, dizemos que se especifica o conceito universal e se submete a ele o múltiplo. De fato, o gênero (considerado do ponto de vista lógico) é, por assim dizer, a matéria ou o substrato bruto que a natureza elabora com sucessivas determinações nas espécies e subespécies particulares; pode-se dizer, assim, que a natureza se especifica a si mesma segundo um determinado princípio (ou ideia de um sistema), por analogia com o uso assumido por esta palavra nos juristas quando falam da especificação de certas matérias brutas.[4] 

Colocando a questão da sexualidade e a questão de classe tal como elaboram marxistas vulgares, – aquela famosa frase por exemplo: ‘‘as pautas LGBT têm que se universalizar’’ isto é, serem englobadas por uma universalidade já estabelecida a priori, tal raciocino se assemelha a concepção de mundo idealista subjetivo, tal como expresso no pensamento filosófico de Kant. A diferença é apenas relativa ao conteúdo e não a forma, ou seja, o que para Kant a essência (universal) é o conceito criado por Deus, para esses ‘‘marxistas’’ é o conceito de demandas de classe enquanto imutável e que determina a forma particular. O movimento operado que a autora critica, nem é o primeiro movimento operado por Kant (do particular ao universal através da classificação), que para Lukács significou um avanço para uma verdadeira elaboração da dialética, a de Hegel posteriormente, mas a segunda, isto é, do universal para o particular através da especificação.

IV. Observação

Observação: creio que a autora está profundamente enganada ao colocar as práticas BDSM enquanto atitudes negativas a ordem, tais como a homossexualidade por exemplo. Agora Freud está certo, assim como a histeria nos finais do século XIX expressavam o caráter degradador da sociedade patriarcal, a prática BDSM, se é que podemos dizer assim, pois a utilizando assim remete a ideia propagada pela ideologia, também é uma patologia resultada da opressão e dominação masculina dos corpos femininos mais substancialmente, mas também dos corpos masculinos. Podemos indagar a questão sob o ponto de vista de patologia social (e devemos analisar a questão com toda honestidade intelectual) e não como negação que traz em si potencialidades emancipatórias. O capitalismo já faz muito bem o serviço de mistificar suas patologias sociais e tratá-las como comportamentos que expressam liberdade. A autora aqui está profundamente enganada e se deixou levar pela ideologia liberal dominante.

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Notas
[0] Eduardo Borges é formado em Arquitetura e Urbanismo pela PUC-MG. Pesquisa história da arte numa abordagem marxista. Pesquisa sobre a Estética Marxista em variados autores, sobretudo a produção intelectual do filósofo húngaro György Lukács. Pesquisou sobre as peculiaridades do novo sistema produtivo de café especial e seus impactos sociais e econômicos no Sul de Minas.
[1] Link aqui: https://blogdaboitempo.com.br/2020/01/10/a-grande-tarefa-do-marxismo-e-o-sexo/
[2] A homossexualidade do ponto de vista prático é o resultado subjetivo e objetivo das condições materialmente e simbolicamente impostas, ela se expressa enquanto fenômeno, devido a essas condições históricas concretas construídas pelas classes e gênero dominantes. A bissexualidade se apresenta enquanto uma reivindicação subjetiva que é o produto teórico dessa relação concreta. Haja vista que a sexualidade não é biológica, mas moldada pelo gênero e classe em seu modo de organização material da vida social, torna-se necessário para a plena expressão da bissexualidade, a construção prática de suas condições.
[3] A editora Expressão Popular publicou um compilado de cartas e fragmentos de Marx e Engels organizado primeiramente pelo filósofo soviético Mikhail Lifschits. Lá encontra-se textos onde Engels para defender o pensamento de seu grande amigo teve que sintetizar e elaborar escritos relativos ao método propriamente dito, haja vista que Marx não procedeu (justificadamente) um sistema filosófico tal como Hegel, Kant etc., pois ser o método, o próprio resultado da sua investigação da particularidade. O livro publicado pela Expressão Popular tem como organizador José Paulo Netto e Miguel Makoto Cavalcanti Yoshida: Cultura, arte e literatura, textos escolhidos de Karl Marx e Friedrich Engels. José Paulo Netto e Miguel Makoto Cavalcanti Yoshida organizadores. Expressão Popular, São Paulo, 2012.

[4] 
I. Kant, Erste Einleitung in die Kritik der Urtelskraft. (Primeira introdução à crítica do juízo), Werke, ed. Cassirer, Berlim, 1922, tomo V, págs. 195-196 apud G. Lukács, 1970, p. 10.
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terça-feira, 31 de dezembro de 2019

ARTE REALISTA| Tuberculose (Parasita)


Trecho: Para afastar a governanta, o próximo passo do golpe é fazer com que a madame pense que essa sua empregada está com tuberculose.
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Gisaengchung (dramédia, KOR, 2019), de Bong Joon-ho.
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domingo, 1 de dezembro de 2019

ARTE REALISTA| Os Irmãos Mai


Sinopse: Dois irmãos precisam levar um presente para sua avó. Quanto mais eles caminham, mais longe parecem estar do seu objetivo.
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Os Irmãos Mai (dramédia, BRA, 2013), de Thais Fujinaga.
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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

ARTE REALISTA| Luz de Velas

 

Sinopse: Um jantar em família sob à luz de velas se torna o momento em que os membros colocam para fora suas angústias e mágoas.
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Luz de Velas (folhetim, BRA, 2011), de Luiz Rangel.
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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A atualidade da abolição da família monogâmica


por Sergio Lessa

Se chegarmos ao comunismo, nos museus nossas crianças ficarão abismadas de os humanos terem se matado aos milhões pela posse de curiosos pedaços coloridos de papel. Será tão difícil acreditar que nos curvamos aos poderes “para além do sensível” (sinnlich übersinnliches)[1] do dinheiro como nos é difícil crer que os totens comandavam os destinos dos índios da América do Norte. De modo análogo, depois de tantos milhares de anos sob a família monogâmica, tornou-se senso comum que os homens e mulheres apenas podem se amar sob a monogamia, que o amor entre os indivíduos deve passar por uma sagração social qualquer e que as crianças precisam de uma “mãe” e de um “pai” tais como os que hoje conhecemos. Parece-nos impossível que possam ser qualitativamente distintos os processos de individuação, a criação e educação das crianças, a preparação da alimentação, do lugar para se dormir, etc. Amar se tornou sinônimo de constituir família – e, constituir família, se tornou sinônimo de monogamia.

É conhecido como os processos alienantes que brotam do capital são refletidos pela consciência em uma concepção de mundo na qual a nossa presente essência burguesa perde o seu caráter histórico e se eleva à determinação eterna, inescapável, do ser humano. De modo análogo, a família monogâmica é convertida em determinação ineliminável da vida civilizada.

Verdade que a elevação do particular burguês ao humano universal é um artifício presente não apenas no debate acerca da família monogâmica. Neste debate, todavia, este padrão ideológico se repete com particular frequência desde os tempos de Marx e Engels. Mesmo entre autoras ditas de esquerda, como Simone de Beauvoir em O segundo sexo, cujo gigantesco ecletismo consegue justapor Heidegger e Marx e falsificar ao extremo as teses de Engels, esta tese é reafirmada sob a aparência de uma nova roupagem. Em tempos em que o pós-modernismo é tido como uma hipótese teórica a ser levada a sério, esta tese conheceu certa renovação. No contexto da onda conservadora que sucedeu ao “vendaval de mudanças” dos anos de 1960, com a derrocada do bloco soviético e os anos marcados pelo, para ser breve, neoliberalismo, assistimos aos deslocamentos para direita de vários movimentos sociais antes contestadores do status quo. Entre estes, importante para o nosso tema, é o fato de que o movimento feminista perdeu quase todo o seu caráter anticapitalista e, ainda, os movimentos homossexuais em geral passaram a reivindicar o direito ao casamento monogâmico oficial.

Um texto que impressiona pela rudeza de seus argumentos é La famillie en désordre, de Elisabeth Roudinesco (2002). A ignorância a leva a postular que a única forma de organização familiar na história teria sido a monogamia (ROUDINESCO, 2002, 16, 17-8, 21-2). Não leva em conta, sequer, o fato de que a monogamia sempre foi apenas para as mulheres – aos homens, o casamento monogâmico sempre foi complementado pela prostituição (ou pela poligamia masculina). Do fato de os movimentos homossexuais – até eles! – estarem reivindicando a legalização de seus casamentos monogâmicos, deduz a autora que este seria o reconhecimento final de que não há vida civilizada sem a organização monogâmica da família. Neste rebaixado horizonte ideológico, não cabe a possibilidade de que esta virada dos movimentos homossexuais possa ser revertida em um novo período de intensificação das lutas de classes.

Outras vezes, por uma via aparentemente pela esquerda, chega-se a um resultado semelhante, como em O sexo invisível (ADOVASIO, PAGE E SOFFER, 2008). Uma terceira forma muito comum deste mesmo argumento conservador é a “constatação" de que monogamia seria uma categoria antropológica-sociológica contraposta e superior à poligamia. De um lado teríamos os haréns orientais ou os mórmons em Salt Lake City; de outro lado as relações um homem-uma mulher da monogamia. Esta é uma tipologia das famílias que, não sendo inteiramente falsa, é fundamentalmente falsa. A porção de verdade está em que há, de fato, diferentes organizações familiares no que diz respeito ao número de mulheres para um homem. Entre a família “mórmon” e a “cristã”, entre o harém saudita e a família francesa, há diferenças evidentes.

Mas o fundamental, que é velado, é que tanto a “monogamia” como e a “poligamia” expressam o mesmo patriarcalismo. Se, no harém e entre os mórmons, a monogamia é expressamente apenas feminina, ao homem sendo legítimo várias esposas, na família tradicional cristã, ocidental, o casamento é complementado pela prostituição. A regra monogâmica aplica-se apenas às mulheres: a monogamia é a expressão, por todos os lugares, do patriarcalismo.

Como é próprio das ideologias conservadoras, também a concepção antropológica-sociológica, fenomênica e superficial, vela a gênese da família monogâmica na passagem da sociedade primitiva à sociedade de classes; vela que a monogamia se contrapõe, não à poligamia, mas à família primitiva, na qual o caráter social e coletivo das tarefas possibilitava e requeria outra qualidade de relação entre homens e mulheres.

Monogamia e propriedade privada

A comunidade primitiva, que se reproduzia pelo trabalho cooperativo, pela divisão igualitária do produto comunitário, era incompatível com a exploração do homem pelo homem. Era imprescindível destruir a velha sociedade e, também por isso, a sociedade de classes teve que se afirmar pela violência.

Rompidas as relações sociais comunitárias, a família se destaca da sociedade na medida em que se desenvolve a concorrência inerente à propriedade privada. As tarefas de cuidar das crianças, do preparo da alimentação, do local de moradia, etc., são convertidas em atividades privadas, realizadas para cada proprietário. É a gênese da família monogâmica, patriarcal. À mulher, despossuída de propriedades, são impostas tarefas que não geram riqueza e, contudo, são imprescindíveis para a reprodução biológica. Seu horizonte deixa de ser a totalidade da vida social, como no passado, para se reduzir aos estreitos limites da “cama” e da “mesa”[2]. Os homens das classes dominantes cuidam da propriedade privada; suas vidas se conectam com o comércio, com as guerras, com a direção do Estado, ou seja, com a totalidade da sociedade. O feminino se converte em uma existência privada, centrada nela própria, localista[3]: “do lar”. Sua vida se resume à ordem e à produção doméstica. Esta a razão fundamental de as realizações mais elevadas do gênero humano nas sociedades de classe tenderem a encontrar nos indivíduos do sexo masculino as mediações mais adequadas às suas objetivações. Desnecessário, aqui, repetir a tão conhecida citação de Engels acerca do lugar das mulheres no apogeu de Atenas: já então eram designadas por um vocábulo neutro, oikurema, um instrumento para procriação e para os serviços domésticos. Tal como os escravos, também não faziam parte do gênero humano.[4]

Nada na sociedade primitiva se aproximava da propriedade privada. O poder do homem sobre o homem que advém “do ter" (MARX, 1993) não existe nem em germe nas sociedades sem classe. A submissão da esposa e da prostituta implica, agora, em um inédito complexo de relações sociais que sequer de modo germinal é encontrado no passado. (LEACOCK,1981,135-6). O Estado organiza a sociedade e, pelo casamento monogâmico, organiza a família.

O processo de alienação da mulher traz inevitavelmente a alienação dos homens – ainda que não seja idêntica nos dois polos. A alienação do homem (e, no caso da sociedade de classes, dos senhores) é expressão de sua potência social; a alienação das mulheres (e, mutatis mutandis, dos trabalhadores) é expressão de uma sua derrota história. Por milênios, o feminino vai sendo convertido na personalidade dócil, obediente, submissa, burra, que tem na beleza física (definida pela sua capacidade de atrair sexualmente o masculino) suas principais qualidades. Com o tempo, será “cientificamente provada” até sua incapacidade para o orgasmo. Aos homens, cabem as deformações simétricas; ser homem é o exercício do poder. É requerido dele novos atributos e qualidades: valentia, bravura, ambição, iniciativa, inteligência, astúcia, violência, volúpia e, a vida tem lá sua ironia, uma pretensa infinita capacidade de orgasmos! A pretensa superioridade inerente ao homem nada mais é que a generalização à eternidade da superioridade dos homens nas sociedades de classe, patriarcais por rigorosa necessidade ontológica.[5]

Com a passagem à sociedade de classes, uma nova esfera de mediações se interpôs entre o fato biológico de se ser homem ou mulher: o feminino e o masculino passaram a ser crescentemente marcados pela propriedade privada. Se, no início, essa tendência apenas se anunciava, hoje colhemos todas as consequências do seu amadurecimento. Tornamo-nos monogamicamente femininos e masculinos – analogamente a como o fetichismo da mercadoria faz com que sejamos “guardiãos de mercadorias”. (MARX,1983,79)

O caráter alienado da monogamia, sua ontológica articulação com a propriedade privada, não deve, contudo, velar outro aspecto, não menos fundamental quando se trata de sua superação. Entre a Revolução Neolítica (há 12 mil anos) e a Revolução Industrial (1776-1830), a coexistência da carência com o trabalho excedente tornou as classes sociais a mediação mais adequada para o desenvolvimento das forças produtivas. Enquanto esta situação não foi superada pela abundância trazida pelo capitalismo industrial, a família monogâmica foi também a mediação mais adequada para o desenvolvimento dos indivíduos – ainda que dos indivíduos das classes dominantes, já que o avanço das forças produtivas nas sociedades de classe requer o rebaixamento da humanidade (do patamar humano-genérico) da maior parte de seus membros.

A conversão do ser homem em masculino e, do ser mulher, em feminino, foi, ao mesmo tempo, um processo de alienação e de avanço da humanidade. É um caso particular de uma situação mais geral: a necessidade por mediações de complexos alienantes é um índice dos limites das sociedades de classe, dos limites da “pré-história” da humanidade. Este contraditório conteúdo da monogamia (ser uma base para o desenvolvimento humano, porém uma base alienada) se expressa em toda a extensão na evolução da família monogâmica burguesa.

O individualismo burguês e o amor sexuado individual


A dualidade razão/sentimento, tão cara ao senso comum contemporâneo, é apenas a constatação superficial de que a sociabilidade burguesa, ao subsumir o humano ao capital, contrapõe a racionalidade deste último às autênticas, humanas, necessidades dos indivíduos. Querendo ou não, desejando ou não, devemos seguir a razão burguesa cuja pedra de toque é a reprodução do capital. Somos reduzidos a “guardiões de mercadorias”, padecemos todo o peso das alienações que brotam do capital e, com frequência, com um elevado nível de sofrimento subjetivo. Isso produz a ilusão de um abismo entre razão e emoção. De fato, esse abismo não existe. A mesma individualidade que pensa é a individualidade que sente. Raciocínio e emoção, razão e sentimento (Jane Austen), são atos do mesmo ente social unitário que somos. O que nos parece indubitável, muitas vezes o é apenas porque está tão próximo da racionalidade imperante que se torna tão assegurado quanto a gravidade. A dualidade razão/emoção é um destes casos. Nossos raciocínios são fontes de emoção e os sentimentos provocam raciocínios. Processamos nossas emoções também ao nomeá-las e ao as elaborarmos racionalmente. Entre razão e emoção há muito mais conexões, racionais e afetivas, do que o mito da dicotomia pensamento/emoção possibilita perceber.[6]

Deste complexo de questões, para a análise da família monogâmica é importante o fato de que a evolução das capacidades humanas como resultado do desenvolvimento das forças produtivas é o desenvolvimento, também, da sensibilidade, da capacidade sensível dos humanos[7]. O afastamento das barreiras naturais[8], o desenvolvimento da humanidade, 

(...) não é, como dizem a maioria das religiões e quase todas as filosofias idealistas, um simples desenvolvimento das assim ditas faculdades ‘superiores’ dos homens (o pensamento, etc.) em prejuízo da ‘inferior’ sensibilidade, mas ao contrário deve se expressar no conjunto do complexo do ser do homem e, portanto, também (...) na sensibilidade. (LUKÁCS, 1981,573)

O fundamento ontológico último na articulação entre as novas forças produtivas postas em ação pela “acumulação primitiva” e o desenvolvimento dos indivíduos é uma alteração decisiva na propriedade privada. No escravismo e no feudalismo, a propriedade privada ainda não havia se emancipado do Estado, isto é, da sua conexão direta e imediata com a comunidade. No capitalismo, essa relação será desfeita. (MARX, 2010; LESSA, 2007d) Em uma situação inteiramente diversa da do passado, o burguês tem por sua pátria o mercado mundial e se converte em cidadão do mundo. Este é o fundamento da ilusão de que sua identidade reside em si próprio –, e, por extensão, de que o indivíduo é fundante da sociabilidade. As necessidades de cada indivíduo passam a ser mais legítimas, verdadeiras e autênticas do que as necessidades coletivas: a individualidade está se libertando dos constrangimentos que a limitaram durante milênios. Explicita-se, com toda sua potência, o individualismo burguês (de Descartes a Kant, de Locke a Rousseau, de Adam Smith a Hegel – ainda que neste último tenhamos avanços significativos[9]). A sociabilidade burguesa abriu horizontes inéditos para o desenvolvimento humano. A generalização da produção de mercadorias, o mercado mundial, os Estados Nacionais, etc. romperam vários limites típicos das formações pré- capitalistas e abriram espaço para uma nova relação do indivíduo com o gênero humano.

Para a evolução dos processos de individuação, a nova “racionalidade” trazida pelo capital é rica de repercussões afetivas já no período do Renascimento. Na arte, a presença das novas emoções explodem: a perspectiva na pintura, de um Da Vinci a um Rafael e Rembrandt – e, séculos depois, um Van Gogh e um Monet; as novas notações musicais de Bach, que, com Vivaldi, impulsionam um movimento ascendente que explode com Mozart e Beethoven na passagem ao capitalismo desenvolvido; a forma romance, apropriada para cantar a “epopeia burguesa” (Lukács), evolui de Cervantes a Tolstoy, Dolstoievsky e Thomas Mann. A humanidade passa a ser capaz de ouvir o que antes não escutava, de enxergar o que não via antes, etc., adquire a capacidade de sentir o que não podia sentir no passado pelo mesmo processo pelo qual pode pensar e raciocinar o até então impossível. Passamos do “Mundo fechado ao universo infinito”, no belo título do livro de Koyré (1979).

As necessidades afetivas humanas em crescimento estimularam a expansão das artes. O teatro se tornou uma atividade econômica lucrativa – o Teatro Globe de Shakespeare é inaugurado em 1599. A música ganhou uma nova dimensão com o violino, o primeiro instrumento a rivalizar em beleza com a voz humana. Paralelamente, temos o avanço das ciências e da filosofia, principalmente da filosofia política. O seu público aumentou na medida em que as novas alternativas históricas – as revoluções burguesas – iam se fazendo mais concretas nos impasses e contradições da vida cotidiana. A imprensa se desenvolveu com o crescente mercado literário. A dita “opinião pública” fez sua entrada na vida social. A economia política desvelou os segredos do capital para os próprios burgueses, as leis de mercado vão deixando de ser misteriosas, – apesar de não perderem sua apregoada inevitabilidade.

Essa evolução, para o nosso tema, é decisiva. Até o século 16-17, todos os grandes amores não eram “grandes amores”. O amor de Paris e Helena era um evento tão pouco pessoal e tão social que Atenas e Tróia foram à guerra. Seria hoje sequer imaginável a guerra entre nações pelo amor de dois de seus cidadãos? Agostinho não titubeia em abandonar pelo emprego de funcionário público em Hipo aquela que foi sua amante por 15 anos, de quem sequer o nome resistiu ao tempo (BROWN,1969). Abelardo e Heloísa, bem como Quixote e Dulcineia del Toboso, não passam do amor que sequer pode ser reconhecido enquanto tal. Os primeiros, porque não se “ama” na Idade Média[10]; o segundo, porque Dulcineia e o amor que por ela dedica Quixote são tão impossíveis quanto a grandeza do cavaleiro andante na Espanha dominada pela mediocridade dos Torquemada.

Em todos esses casos, o desenrolar “natural” da necessidade afetiva foi a impossibilidade de sua realização pela sua subordinação às outras demandas da vida. Os vínculos comunitários pré-capitalistas atuavam ainda com tal intensidade que as necessidades afetivas individuais não podiam predominar na vida das pessoas. Se e quando elas compareceram, o fizeram de modo germinal e não puderam se desenvolver porque não contaram com as imprescindíveis mediações sociais. Nem possuíam legitimidade, nem eram vividas pelos indivíduos como elementos fundamentais de suas vidas – e, como no caso de Heloísa, se são vividas como demandas fundamentais, apenas podem se expressar por relações sociais que são a negação cabal das mesmas (após Abelardo se tornar abade, Heloísa entrou no convento em Argenteuil e o elegeu para seu diretor espiritual, a única relação pessoal de algum modo íntima que lhes restara).

Romeu e Julieta traz a marca da virada. Não porque nesta peça tenhamos o happy ending; ainda demorará quase 500 anos – e dependerá de mais de um século da “decadência ideológica da burguesia” (LUKÁCS, 1981a) – para que a humanamente autêntica substância da tragédia venha a ser substituída pela banalidade irrisória do final feliz hollywoodiano. Mas, porque, pela primeira vez é afirmada e reconhecida em escala social a necessidade afetiva dos indivíduos como algo tão existencialmente fundamental que melhor morrer que não realizar o amor: é legitimado o agir dos indivíduos contra a sociedade. Romeu e Julieta – importante detalhe: não sozinhos, mas com a “benção” representada pela ajuda de Frei Lourenço –, conspiram contra a opressão das relações familiares, contra a tradição e os costumes. E são os heróis da trama![11]

O amor individual sexuado de que fala Engels faz sua entrada majestosa na história pelo palco do The Theatre. Descobrimos uma relação afetiva com uma dimensão, uma riqueza, uma intensidade, um prazer, uma densidade, uma capacidade de abarcar toda a existência que a faz, de modo inédito, um dos elementos imprescindíveis da vida individual. A “epopeia burguesa” (Lukács), cantada na forma romance que então está surgindo, terá na necessidade individual, afetiva, pelo “amor sexuado” (para continuarmos com Engels), um dos seus elementos fundamentais. A dimensão amorosa fará, a partir de agora, indelével parte da vida humana; quase – esse quase é importante – como que se uma existência carente de amor não fosse digna de ser vivida. Goethe, Balzac, Flaubert, Zola, Jane Austen, Ibsen – e em um contexto um pouco diferente, mas ainda assim: Tchekhov, Dostoiévsky, Tolstoy, – no Ocidende, Thomas Mann; e ainda, mutatis mutandis, Edith Wharton, Henry James e Virginia Woolf – seriam possíveis sem os séculos 16 a 18, preparatórios da individualidade burguesa?

A entrada do amor sexuado na história não foi apenas triunfal, também foi definitiva: sua presença será irrevogável. Enquanto complexo social, constitui, desde então, um dos polos mais importantes na estruturação da afetividade dos indivíduos, com tudo o que isso implica para as escolhas cotidianas que os indivíduos têm de fazer e com todo o correspondente impacto sobre os processos de objetivação[12].

Dizíamos acima que o individualismo burguês cumpriu dois papéis. O primeiro, acabamos de ver, foi revolucionariamente romper a submissão dos indivíduos às relações sociais pré-capitalistas, possibilitando o desenvolvimento da individualidade burguesa. O segundo papel, intimamente articulado ao anterior, é seu caráter alienado.[13]

Individualismo burguês e a tragédia do amor sexual individual


Como tudo que a burguesia trouxe de revolucionário – e, lembremos, não foi pouco: o mercado mundial, as revoluções, a abundância fruto da Revolução Industrial, o individualismo burguês, a nova forma de riqueza que é o capital – também “o amor sexuado individual” padece do drama típico das suas mais legítimas criações: ao, revolucionariamente, impulsionarem a humanidade, concomitantemente e quase sempre pelas mesmas mediações, também teciam os liames que, no futuro, conteriam o desenvolvimento do gênero humano aos limites do capital. As relações mercantis, fundantes dos novos horizontes, terminariam, em seguida, por converter a todos em “guardiãos de mercadorias". As condições que presidem à gênese do amor sexuado individual (a Acumulação Primitiva) são, também, as que lhe fornecem a base social para a sua gênese e desenvolvimento: a família monogâmica na sua forma burguesa. O complexo social do “amor sexuado individual” apenas pôde vir a ser pela modalidade burguesa do patriarcalismo.

Podemos invocar o trágico testemunho de Emma (Flaubert), da Condessa Olenska (Edith Wharton), de Ana Karêninia (Tolstoy), de Nora (Ibsen), entre muitas outras heroínas: se eleva a uma dolorosa contradição o desajuste real, prático, ativo, cotidiano, de individualidades portadoras, por um lado, de necessidades qualitativamente distintas das que a sociedade lhes possibilita atender e, por outro, de possibilidades que não cabem nas fronteiras das suas vidas. A impotência do indivíduo diante de seu destino – ser “guardião de mercadoria” – se eleva à tragédia do indivíduo que não pode amar em sua plenitude. Uma vez mais, "A tradição de todas as gerações mortas oprime feito um pesadelo o cérebro dos vivos" (MARX,1979,203).

Nenhum maniqueísmo é capaz de refletir a riqueza desse processo. A Acumulação Primitiva, ao romper as amarras entre indivíduo e comunidade (MARX, 2009; TONET, 1999; LESSA, 2007d), foi a condição indispensável para o surgimento do amor individual sexuado e, concomitantemente, o amor encontrou, desde a sua gênese, nas alienações burguesas seu grande obstáculo. Do mesmo modo, nenhum relativismo-ecletismo é capaz de dar conta da riqueza da situação contemporânea (Tonet, 1997). O fato de as classes sociais – e o que agora nos interessa, a conversão de homens e mulheres no masculino e feminino que conhecemos – terem sido mediações imprescindíveis ao desenvolvimento humano no passado não significa que exerçam, hoje, a mesma função. Ao contrário, na era da abundância, as classes sociais e a família monogâmica converteram-se predominantemente em alienações, em desumanidades socialmente postas; os seus papéis progressistas ficaram no passado.

Tal como a conversão da humanidade, parafraseando Marx e Engels, no idiota animal típico das classes dominantes e no estúpido animal típico das classes dominadas foi uma necessidade para o desenvolvimento das forças produtivas mas, nem por isso, cancelou as revoltas e reações dos trabalhadores, a necessária submissão da mulher no casamento monogâmico também gerou revoltas. Lendas (a do Rei Artur, a das Amazonas, por exemplo), costumes antigos (como as Heteras na Grécia Clássica), peças como Oréstia de Ésquilo, etc. são ecos distantes das resistências à exclusão da mulher da vida social. Assim como a transição para a sociedade de classes não se fez sem lutas e resistências, assim como as primeiras lutas de classe traziam ainda a herança dessas resistências e dos antigos costumes e tradições, também a degradação da mulher à esposa e prostituta não se deu sem conflitos. Tais revoltas, contudo, não puderam nem podem ter a dimensão de uma luta de classes porque esposas e prostitutas são serviçais privadas que não constituem classe social. A família burguesa, mesmo no período em que a burguesia era a classe revolucionária, tem sido o palco de conflitos cada vez mais socialmente visíveis, uma arena de luta entre a esposa e o marido e, por extensão, entre a prostituta e o comprador do seu serviço.

Uma das consequências imediatas foi o modo pelo qual a esposa se transformou na monarca absolutista da vida doméstica e, correspondentemente, como a personalidade tipicamente feminina incorporou as determinações desta situação. O marido é aquele que não pode ser desobedecido. Contudo, para ser melhor servido, deve conceder um território exclusivo para o reinado da mulher nos afazeres domésticos e na criação dos filhos. A opressão do marido sobre a esposa é, deste modo, reafirmado pela opressão dos filhos e serviçais pela esposa. Além disso, a mãe passa a ser mediação afetiva entre os rebentos e o todo poderoso. O marido, um estranho a ser recebido com as devidas cerimônias na vida doméstica organizada sob o tacão da esposa, é também agora incapaz de uma relação afetiva imediata, rica, com seus filhos. Ser pai implica no exercício de um poder que o coloca distante dos filhos, em uma sua entronização que implica que a esposa assuma a mediação entre as duas partes. A esposa se converte no repositório afetivo da relação filial, ao pátrio poder cabe a reprodução da propriedade privada e, nas questões domésticas, detém a “última palavra” –, mas apenas nas raras ocasiões em que ela é requerida. As teses mais conservadoras que, hoje, justificam a família patriarcal pela necessidade da figura da mãe-monogâmica retiram desse fato sua aparência de verdade: na família burguesa, o desenvolvimento das personalidades das crianças requer a presença da figura da mãe esposa[14]. Mas, isto, apenas devido às alienações que caracterizam a família monogâmica; não correspondem a uma necessidade inata, natural, etc. do ser humano em geral. Como bem descreve Leacock:

A desumanização das relações conjugais, aprisionados como estão homens e mulheres numa malha de medo e confusão; a brutalização e o poder mesquinho do homem; a raiva e a amargura da mulher; a natureza do casamento, quase sempre uma batalha constante, – tudo isso é infelizmente muito bem conhecido. Apesar do fato de as sociedades anteriores às classes que foram estudadas já terem sido minadas pela colonização europeia e estadunidense, uma usual qualidade de respeito, calor humano e segurança nas relações interpessoais, incluindo aquela entre marido e mulher, frequentemente persiste como evidência de que as tensões associadas com a relação conjugal em nossa sociedade são fundadas em nossa estrutura social, não nas natureza de homens e mulheres. (LEACOCK,1971, 42-3)

A revolução proletária e a família monogâmica

Tal como as revoluções burguesas, a revolução proletária também será a passagem de um modo de produção a outro. Pelas revoluções burguesas foi abolido o trabalho servil e generalizou-se o trabalho proletário. Nas revoluções proletárias, se viermos um dia a conhecê-las, teremos o desaparecimento do trabalho abstrato e sua substituição pelo trabalho associado, pela “livre organização dos produtores associados”.

A passagem da sociedade feudal à burguesa alterou todos os complexos sociais e de forma tão profunda que uma nova essência humana (lembremos das Teses ad Feuerbach: a essência humana é "o conjunto das relações sociais”) se fez presente na reprodução social[15]. Algo semelhante ocorrerá se conhecermos a transição do capitalismo para o comunismo. Os complexos sociais se alterarão, muitos desaparecerão, novos surgirão, porque o fundamento da sociabilidade se alterará essencialmente. No sentido ontológico mais preciso, o ser humano que conhecemos será superado por algo essencialmente novo: a essência comunista superará nos homens a essência burguesa. De egoístas e mesquinhos, cuja essência é o conjunto das relações sociais concorrenciais típicas do mundo burguês, os homens se converterão em indivíduos solidários cuja essência é o conjunto das relações de cooperação indispensáveis ao trabalho associado.

Não por uma questão moral ou ética, mas por uma rigorosa necessidade de ordem material. Tal como o capital não pode se reproduzir sem os atos concorrenciais cotidianos dos indivíduos reduzidos a “guardiães de mercadoria”, o comunismo também não poderá se reproduzir sem a predominância da cooperação na vida cotidiana. (LESSA, 2007b) O trabalho associado requer uma totalidade social mediada pela solidariedade com a mesma radical universalidade com que o trabalho proletário necessita do individualismo burguês. Tal como o fetichismo da mercadoria é a qualidade essencial da vida cotidiana burguesa, a cooperação será a mediação decisiva do cotidiano comunista. E isto, repetimos, não por uma decisão individual, ou por uma escolha moral-valorativa como em Kant, mas porque o trabalho assalariado funda o individualismo burguês com a mesma necessidade pela qual o trabalho associado funda o ser humano solidário do comunismo.[16]

Dizíamos, acima, que “algo semelhante” à transição do feudalismo ao capitalismo ocorrerá se conhecermos a passagem ao comunismo. Semelhante, e não idêntico, porque a passagem da sociedade feudal à burguesa inclui um forte e importante traço de continuidade: é a transição para uma outra sociedade de classes, para uma nova fase da mesma “pré-história” da humanidade. Se a transição ao comunismo ocorrer, teremos a passagem a um período inteiramente distinto, o da sociedade sem classes.

A transformação da essência humana será muito mais intensa e profunda do que quando das revoluções burguesas. A alteração da vida cotidiana será ainda mais rica e ampla. Diferente do passado, quando as relações capitalistas puderam se desenvolver sob o feudalismo (pois, repetimos, eram distintas modalidades da propriedade privada, do Estado e do casamento monogâmico), não é possível o desenvolvimento das relações comunistas nos interstícios do capital[17]. Para que as relações sociais comunistas possam se explicitar é imprescindível a superação da propriedade privada – em sua presença, a nova essência da sociabilidade emancipada do capital não pode se anunciar sequer de forma germinal. Por isso, as transformações na transição ao comunismo serão mais intensas, profundas e radicais do que as que assistimos com a passagem à sociedade burguesa madura. Sendo a essência humana o conjunto das relações sociais, a passagem ao comunismo implica na alteração essencial do ser humano. Trata-se da transição de uma essência humana à outra: o humano superará sua “pré-história”.

E isto faz imprescindível a superação da família monogâmica.

A entrada triunfal do amor sexuado individual na vida humana é, como mencionamos, necessariamente trágica. Desde Romeu e Julieta até nossos dias, ainda que muito haja mudado, o amor é, tipicamente, também um drama ao conduzir o indivíduo a um confronto com o predominante do mundo burguês. O pleno desenvolvimento das pessoas é obstaculizado – mesmo afetivamente – pelas relações sociais no interior das quais (e apenas assim) o amor sexuado moderno pôde surgir e, hoje, pode se reproduzir. A contradição antagônica, entre o pleno desenvolvimento das forças produtivas e o capital,[18] se expressa nos processos de individuação também pela vivência generalizada, ainda que nem sempre socialmente reconhecida, da contradição antagônica entre as formas familiares burguesas e a plena vivência do amor sexuado. Por isso, nos grandes romances, nas peças teatrais, nas óperas, na música, etc., comparece o amor quase sempre com a dimensão trágica pela qual os processos alienantes destroem o amor dos indivíduos, quando não os próprios indivíduos. A reprodução da sociedade atual, nesta medida e sentido, tem na tragédia afetiva uma sua dimensão constituinte.

Também nessa esfera – afetiva – o capital termina por salientar sua brutal desumanidade. Abriu a possibilidade de os indivíduos descobrirem o amor e, ao mesmo tempo, nega aos mesmos indivíduos as possibilidades para vivenciarem plenamente o impacto desta descoberta na humanização de nossas individualidades. A miséria humana adquire, então, – para além das determinações materiais – um conteúdo afetivo inédito e que se expressa na distância entre o que os indivíduos podem e necessitam, e o que a totalidade social deles requer e a eles possibilita. O que, para autores como Roudinesco, parece como La famillie em désordre é, na verdade, a expressão dessa contradição em tempos de “produção destrutiva" (MÉSZÁROS,2002) a dissolução da contemporânea modalidade burguesa da família monogâmica.

Estamos hoje em uma etapa de transição[19] marcada pelo esgotamento das potencialidades históricas das classes sociais, do Estado, da família monogâmica e da propriedade privada. Tal como a anatomia humana é a chave para a compreensão da anatomia do macaco, hoje podemos contemplar de modo privilegiado a gênese e o desenvolvimento de cada um desses complexos sociais. O Estado, a propriedade privada, as classes sociais e a família monogâmica explicitaram-se com plenitude – e suas determinações essenciais estão à vista em escala social. Assim como o Estado e a propriedade privada, também a família monogâmica é expressão da alienada necessidade de sacrificar uma parte importante da humanidade no altar do desenvolvimento das forças produtivas. Tal como o Estado, também a propriedade privada e a família monogâmica, mesmo quando imprescindíveis no passado, jamais deixaram de ter uma dimensão bárbara, alienada.

Quando se trata do Estado, das classes sociais e da propriedade privada, a necessidade de sua superação é mais fácil de ser assimilada. Todavia, porque é um elo importantíssimo dos processos de individuação de todos nós, é bem mais complicado constatar que o mesmo se dá com a família monogâmica. Ela é um complexo social tão alienante e alienado quanto o Estado; ela é, tal como a propriedade privada, reproduzida pela aplicação cotidiana da violência; ela é o exercício cotidiano do mesmo poder que faz de uns a classe dominante e de outros os explorados e produtores do “conteúdo material da riqueza social” (MARX, 1983,46).

A miséria contemporânea da propriedade privada é a mesma da família monogâmica; os seus momentos fundantes são os mesmos, as suas causas – idênticas. Por isso, a Revolução Proletária requer a superação da família monogâmica do mesmo modo pelo qual requer o fim da propriedade privada, da exploração do homem pelo homem e do Estado.[20]
 
Conclusão

Com a crise do movimento revolucionário no século 20, a plataforma comunista clássica foi formal ou implicitamente abandonada. Os exemplos são tantos que desnecessários: temos um amplo leque de “atualizações”, “desenvolvimentos”, “explicitações”, “aprofundamentos”, etc. que, quase sempre, foram sua revogação pura e simples sob os disfarces mais eficientes para a política “do dia”. Chegamos a um patamar de degradação em que, hoje, consideram-se “de esquerda” posições que seriam no passado não muito distante tomadas como contrarrevolucionárias pura e simplesmente. Lembremo-nos da declaração da candidata do PSOL na TV Globo nas eleições de 2004 de que o socialismo, a “mais bela declaração de amor já feita”, seria “algo que se pensa em implantar em 30, 40 anos”[21]. Ou, então, a proposta de que deveríamos lutar pela “supremacia do valor de uso sobre o valor de troca” (LÖWY, 2009,36). Se é preciso superar não a mercadoria, mas apenas sua “supremacia”, seria interessante saber – para podermos separar o joio do pretenso trigo – qual quantum do fetichismo da mercadoria seria compatível com o socialismo. E, então, sejamos coerentes: qual porção da propriedade privada, do mercado, do patriarcalismo e do Estado deveríamos manter para vivenciarmos a “supremacia do valor de uso”? Melhor ainda, qual porção do capital deveríamos manter para superarmos “supremacia” do valor de troca? Hoje, infelizmente, faz sentido se perguntar: se isso é “esquerda”, o que então deveria ser tomado por “direita”?

Quando se trata da família monogâmica, essa degradação é assustadora: mesmo entre os setores mais à esquerda a questão não recebe a devida atenção. A superação da família monogâmica quase sempre se reduz à “questão de gênero” que, nas suas mais diferentes vertentes, não parece conseguir ir para além do tratamento da “questão feminina” nos limites do individualismo burguês – porque nos limites da propriedade privada. Aqui, também, a rendição à concepção de mundo burguesa pela conversão de necessidade em virtude resulta em um universo capitalisticamente mesquinho e pobre. Nele, o feminino é concebido como alienado e necessário de correção, enquanto o masculino comparece como aquilo que aliena e oprime o feminino. Ainda que possa ter uma aparência de verdade – e mesmo que possa ter o sex appeal de oferecer “saídas” pretensamente aplicáveis antes da superação da propriedade privada, do Estado e das classes sociais – tais concepções mantêm os indivíduos, como dizia Marx se referindo ao cretinismo parlamentar, “firmemente presos a um mundo imaginário, privando-os de todo senso comum, de qualquer recordação, de toda compreensão do grosseiro mundo exterior” (MARX, 1979,255). Tais concepções velam que feminino e masculino são lados diferentes de uma mesma moeda – e que por isso, para resolver o problema, não basta liberar a mulher para ser explorada pelo capital no mercado de trabalho ou, então, remunerar com salário ou pensão estatal o trabalho doméstico (DALLA COSTA; JAMES, 1975). No mercado de trabalho, pelas mesmas mediações que no lar, as alienações que brotam da propriedade privada continuam a operar na relação entre homens e mulheres para muito além da diferença salarial ou das oportunidades profissionais.

É assim que chegamos à ridícula, porque insensata, discussão acerca da relação entre gêneros e classes sociais: se por gêneros entendemos a determinação biológica que faz homem e mulheres distintos, nada têm a ver com as classes. Se entendemos por gênero o feminino e masculino que somos, eles são a determinação reflexiva das classes, da propriedade privada e do Estado. Como diz Leacock “Que existem os papéis sexuais, afinal de contas, é algo universalmente humano”; coisa muito distinta é “assumir” como “bom senso” “que qualquer diferença entre os sexos necessariamente envolve hierarquia” (LEACOCK,1981,135) Não há “terceira via” nesse terreno: ou o patriarcalismo tem fundamento biológico – e, neste caso, a “questão de gênero” não pode ter outro futuro que o próprio patriarcalismo, – ou trata-se de um dos complexos sociais mais permanentes na evolução das sociedades de classe. Tal como não se pode estar “ligeiramente grávida”, não há aqui meio termo: o feminino e o masculino de hoje têm sua gênese e desenvolvimento ontologicamente articulados com a propriedade privada, o Estado e as classes sociais.

Isso não quer dizer, obviamente, que todo o desenvolvimento humano propiciado no passado pela família monogâmica – inclusive o surgimento do amor individual sexuado – deva ser abandonado (tal como o comunismo não significa revogar o desenvolvimento das forças produtivas realizado pelas sociedades de classe). O comunismo continuará sendo uma sociedade humana e, enquanto tal, terá traços de continuidade com todo o nosso passado. Assim como o comunismo significará o mais pleno desenvolvimento das forças produtivas a partir da reorganização do intercâmbio material com a natureza (pela passagem do trabalho abstrato ao trabalho associado), a superação da família monogâmica fará parte da emancipação das individualidades para o mais pleno desenvolvimento de suas potencialidades afetivas. “A superação da propriedade privada" será a “emancipação de todos os sentidos humanos”, como dizia Marx nos Manuscritos de 1844.

Como será a família comunista, não monogâmica? Tão difícil é responder hoje a essa questão como seria difícil a um servo medieval descrever o que viria a ser São Paulo no século 21. De um aspecto, todavia, podemos estar certos. A mais livre capacidade de amar, o mais pleno desenvolvimento do amor sexuado individual de que falava Engels, requer imperativamente a superação da família monogâmica pelas mesmas razões que o pleno desenvolvimento da humanidade requer, hoje, a superação do Estado, da propriedade privada e das classes sociais.

Qualquer concessão nesse terreno é humanamente cruel. Uma das rendições mais brutais ao capital que hoje podemos fazer é elevar o atual estágio de sofrimento afetivo dos indivíduos, de miserável necessidade histórica a virtude.

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Notas
[1] MARX, 1975, 85; MARX, 1983,71.
[2] 
“A submissão do sexo feminino foi baseada na transformação de seu trabalho socialmente necessário em serviço privado pela separação da família do clã. Foi nesse contexto que o trabalho doméstico da mulher e outros trabalhos terminaram por ser realizados em condições de virtual escravidão.” (LEACOCK,1971,41)
[3]
“Local”, aqui, no sentido que Marx e Engels empregam em A ideologia alemã (MARX, ENGELS, 2009), a sociabilidade cuja reprodução não se emancipou ainda dos vínculos mais locais, particulares.
[4] ENGELS, 2010, 68-9. A origem da família, do Estado e da propriedade privada, de Engels é, até hoje, imprescindível. Seus dados antropológicos foram superados pelo desenvolvimento científico. Sua tese acerca da gênese do homossexualismo também não é mais defensável. Ainda, talvez, seja preciso reconsiderar o caráter
“exclusivista” que para ele marcaria o amor sexuado individual. Todavia, mantém a validade para nossos dias a sua tese fundamental, segundo a qual é no desenvolvimento das forças produtivas advindo da Revolução Neolítica que temos a gênese da exploração do homem pelo homem e, portanto, do Estado, da propriedade privada e da família monogâmica. 
[5] Eleanor Burke Leacock (1981, 1971) nos oferece uma abrangente crítica das teorias contemporâneas que fundam o patriarcalismo em uma base biológica em seu livro Miths of male dominance (1981). Antropóloga, seu combate ao que de mais conservador a antropologia e a sociologia produziram na defesa do patriarcalismo incorporou as descobertas científicas desde o século passado. Infelizmente, tanto quanto sabemos, sua obra continua fundamentalmente inédita no país. A exceção é sua introdução à edição estadunidense de A origem da família, da propriedade e do Estado que a Ed. Expressão Popular publicou como posfácio em sua edição do texto de Engels.
[6] O fundamento ontológico desta situação situa-se, com todas as devidas mediações, no trabalho. Como precisamos transformar o mundo para sobrevivermos e. como esse mundo é portador, para sermos brevíssimos, de uma unitariedade última síntese de suas “múltiplas determinações”, apenas uma individualidade também por último unitária pode responder com a eficiência requerida aos traços de continuidade atuantes na objetividade. Também aqui a existência determina a consciência.
[7] Lukács, em “A reprodução”, tratou dessas questões em várias passagens (LUKÁCS, 1976,148,158,168-70,174) E em nosso país há uma pequena, porém rica bibliografia disponível. Paulo Silveira (1989), Newton Duarte (1993), Gilmaísa Costa (2007), por exemplo.
[8] O afastamento das barreiras naturais é o processo pelo qual o desenvolvimento das forças produtivas reduz o impacto sobre o desenvolvimento humano dos acontecimentos naturais sem, evidentemente, poder resultar na eliminação da reprodução biológica e, por extensão, da natureza, como base imprescindível da reprodução social. (LUKÁCS, 1981,12, 125, 158 entre muitas passagens). 
[9] O texto mais importante é aqui o único capítulo de sua Ontologia que Lukács deixou pronto para publicação: “A falsa e a verdadeira ontologia de Hegel” (LUKÁCS, 1978). Contribuições importantes podem também ser encontradas em MACHPERSON (1967), KOFLER (1997) e em um texto que já gozou de algum prestígio entre nós mas que não resistiu ao tempo, de Agnes Heller, O homem do Renascimento (1980).
[10] Abelardo não ama, entrega-se à “luxúria”; Heloísa se diz tomada pela “paixão”. Pela mediação da luxúria Abelardo “toma” Heloísa que, envolta pela paixão, se “entrega”. Se a belíssima análise de Etienne Gilson estiver correta, muito mais que Abelardo, foi Heloísa que manifestou o germe do que depois de alguns séculos virá a ser socialmente reconhecido como o “amor individual sexuado”, na definição de Engels: o amor como em Romeu e Julieta. Cf. GILSON, 2007.
[11] A identidade do indivíduo pela sua participação na comunidade (como em Sócrates e que o levou a preferir a morte ao desterro) está definitivamente rompida. O individualismo burguês está aqui cumprindo sua função revolucionária ao corroer os grilhões da velha sociedade.
[12] Não temos aqui espaço para demonstrar essa relação entre as escolhas cotidianas, sempre orientadas – porém, não determinadas por processos valorativos, o conteúdo dos processos de objetivação, exteriorização (Entäusserung) e o “período de consequências”. Sobre isso conferir LUKÁCS, 1981,89-96 (esta é uma das passagens mais longas em que o filósofo húngaro trata da questão em sua Ontologia, mas há inúmeras outras passagens. Uma relação das mesmas pode ser obtida no site www.sergiolessa.com baixando-se o “Índice Lukács".) Tb. LESSA, 2007b e 2012.
[13] No sentido de Entfremdung.
[14] Há aqui toda uma esfera de problemas que apenas podemos mencionar em nota: a criação privada das crianças impõem um isolamento das mesmas nos primeiros anos de vida que não pode deixar de impactar suas personalidades. A alegria de crianças, desde a mais tenra idade, brincando em bandos é o exato contraponto ao olhar triste e solitário das crianças que são apartadas do convívio das outras crianças pelo solitário convívio com a babá ou com a mãe. Some-se a isto que a primeira relação afetiva mais duradoura possibilitado às crianças das classes abastadas já é mediada pela classe: a babá é a sua serviçal pessoal.
[15] Há aqui pressuposta, como não deve ter passado despercebido ao leitor, uma longa discussão. A historicidade da essência (a essência é parte movida e movente da história, segundo uma passagem célebre da Ontologia de Lukács) é a descoberta ontológica decisiva de Marx e abriu caminho para a elaboração de sua teoria revolucionária. Cf. LUKÁCS, 1981, 374-6, 507-8; LESSA, 2012 e 2005.
[16] Aqui, a conexão ontológica mais universal é o fato de o trabalho assalariado ter por finalidade a reprodução do capital, enquanto o trabalho associado é voltado à satisfação das autênticas necessidades humanas (“do estômago ou da fantasia” (MARX, 1983,45)). Terá, por isso, como categoria central de toda atividade produtiva, não mais o tempo de trabalho socialmente necessário, mas, sim, o “tempo disponível". (MÉSZÁROS, 2002; LESSA, 2005b)
[17] Muito se têm argumentado da possibilidade do desenvolvimento de germes do comunismo no interior do capitalismo. Uma defesa elaborada dessa tese – pois na enorme maioria das vezes são teorizações incipientes, que não vão além do senso comum – pode ser encontrada nos teóricos do “trabalho imaterial”, Negri sendo o mais importante deles. Fizemos uma análise crítica do conjunto de suas teses em Para além de Marx? Crítica da teoria do trabalho imaterial. (LESSA, 2005a e, tb. 2002).
[18] Tratamos desta questão em Lessa, 2011 em especial no Capítulo VIII.
[19] No sentido de que transitamos para uma outra forma de sociabilidade, seja ela o comunismo, a barbárie ou, mesmo, a destruição da humanidade.
[20] Tem Mészáros, por isso, total razão quando argumenta em seu Para além do capital que o patriarcalismo é uma das mediações que acionam os “limites absolutos” do sistema do capital contemporâneo. A exposição desta tese da obra-prima de Mészáros, pela sua densidade e riqueza, não cabe no espaço deste artigo – fica aqui, por isso, apenas esta menção. Ao leitor interessado, Paniago, 2012. 
[21] O Estado de São Paulo, 9 de agosto de 2006, A14. 
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Resumo: A superação da família monogâmica, articulada à superação do Estado, das classes sociais e da propriedade privada, faz parte da plataforma estratégica comunista clássica. O texto argumenta que, apesar de praticamente abandonada pelas forças políticas atuais, a superação do patriarcalismo continua imprescindível para a transição ao comunismo (no sentido marxiano desta expressão).

Palavras chaves: patriarcalismo, revolução proletária, família monogâmica, comunismo.

Abstract: The overcome of the monogamic family, along the overcoming of the State, social classes and of private property, was part of the classic Communist strategic platform. The text argues that, in spite of practically abandoned by the current political forces, the overcome of patriarcalism is still indispensable for the transition to communism (in the Marxiam sense of the expression).

Keywords: Patriarcalism, proletarian revolution, monogamic family, communism. 
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LESSA, S. “A atualidade da abolição da família monogâmica”. In: Crítica Marxista, n. 35, 2012.
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