sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Karl Jaspers: irracionalismo filosófico e conservadorismo político


por Ronaldo Gaspar[1]
ensaio em PDF/2016
 
Jaspers e o canto de sereia do nacionalismo conservador e do nazismo

Muito conhecido por suas obras sobre filosofia e psicologia, Karl Jaspers também foi um pensador político importante, tendo tratado de temas que gozam de grande relevância até os dias atuais, como a ascensão/participação das massas na política, a democracia e o socialismo. Muitas ideias das quais tratou – e o modo como o fez – continuam, sob novas ênfases e roupagens, presentes em escritos e discursos políticos da atualidade. Não bastassem suas influentes reflexões, seu trabalho como professor também merece destaque, pois, afinal, ele foi o orientador (para a elaboração da tese de doutorado), exerceu forte influência e, ainda, cultivou longa e profunda amizade com uma das mais importantes pensadoras da política do século XX, Hannah Arendt.

Num comentário sobre a importância de Jaspers para Arendt, Young-Bruehl, a principal biógrafa da pensadora alemã, embora salientando com justeza o predomínio da influência filosófica de Martin Heidegger, afirmou:
O método com que Arendt entrelaçava diversos e frequentemente contraditórios contextos conceituais, sua maneira de sistematizar, procede de Jaspers (...). Entretanto, tanto a maneira com que Arendt combinou em sua obra as orientações de Jaspers, como a linguagem com que expressou suas ideias, ela as deve muito mais a Heidegger. (YOUNG- BRUEHL, 2006, p. 140)
Mesmo que considerasse Heidegger “o filósofo mais importante da modernidade ocidental” (ADLER, 2007, p. 118), por conseguinte, Arendt contou com o auxílio de Jaspers para, em política, tentar um afastamento – nem sempre frutífero – dos conceitos da filosofia heideggeriana.

O traço característico da apropriação arendtiana de Heidegger é o de que, ao deslocar conceitos filosóficos heideggerianos para o âmbito da reflexão política, Arendt revela tanto o seu potencial para a renovação da compreensão da política quanto elucida as deficiências e fragilidades políticas do pensamento de seu antigo mestre, das quais ela se afasta na medida em que as pensa como inseridas no campo da hostilidade tradicional da filosofia em relação à política. (DUARTE, 2000, pp. 320-1)

Num testemunho eloquente acerca dessa importância que a pessoa, a filosofia e as ideias políticas de Jaspers exerceram em sua trajetória pessoal e intelectual – especialmente em sua abertura para a reflexão e a ação políticas –, a própria Hannah Arendt, na dedicatória à edição alemã de seu livro Sech essays (1942), escreveu:

O que aprendi com você, e que me ajudou nos anos seguintes a encontrar meu caminho na realidade sem lhe vender minha alma, como antes as pessoas vendiam a alma ao demônio, é que a única coisa importante não é a filosofia, e sim a verdade, que a pessoa tem de viver e pensar em campo aberto, e não dentro de sua pequena concha, por mais confortável que seja, e que a necessidade, sob qualquer forma, é apenas um fogo-fátuo que tenta nos seduzir para desempenhar um papel, em vez de tentarmos ser seres humanos. (ARENDT, 2008a, p. 241)

E mais:

Naqueles tempos [i.e., antes da ascensão do nazismo – RG], algumas vezes senti a tentação de imitá-lo, mesmo em sua maneira de falar, porque essa maneira, para mim, simbolizava um ser humano que lidava com o mundo de um modo aberto e direto, um ser humano sem segundas intenções (...). E, em todo caso, sua vida e sua filosofia nos oferecem um modelo do tipo de diálogo que os seres humanos podem travar, apesar das condições dominantes do dilúvio. (ARENDT, 2008, pp. 242; 244)

Os “anos seguintes”, nos quais Arendt não pôde mais contar com o auxílio de Jaspers para encontrar seu caminho, foram os anos da dominação nazista, o que a obrigou, em razão de sua condição de judia, a abandonar a Alemanha e, posteriormente, com o início da guerra, a França, onde ficou exilada por sete anos.

Essa apreciação amplamente favorável de Arendt torna-se ainda mais sedutora e (quase) indubitável quando lembramos que, nos terríveis anos do governo de Hitler, enquanto Heidegger – outrora grande amigo e companheiro da “comunidade de luta” de Jaspers (HOLZAPFEL, 2007) – inscreveu-se como membro do partido nazista, aderiu ao regime e tornou- se reitor da Universidade de Freiburg, o também eminente filósofo Jaspers nunca ocupou nenhum cargo ou tomou parte em qualquer organização ou movimento do nacional-socialismo. Ao contrário, embora não tenha sido obrigado a deixar a Alemanha, foi empurrado ao ostracismo intelectual por vários anos pelo fato de ser esposo de uma judia. “Desde 1933 fora-lhe retirado o direito de tomar parte na administração da Universidade; em 1937, o de ensinar; em 1938, o de fazer publicações. Em 1945, graças a uma indiscrição, foi informado de que seria deportado com a mulher, no dia 14 de abril.” (HERSCH, 1982, p. 8) Com a intervenção aliada, o casal Jaspers foi salvo pelas tropas americanas.

Pois bem, nesses breves e econômicos traços, sem que os fatos sejam esmiuçados, a perseguição sofrida por Jaspers e a consequente perda de direitos civis a que foi submetido revelam uma figura avessa ao nazismo e de reputação ilibada. No entanto, tal brevidade e economia resultam numa versão da história demasiadamente linear, coesa, a qual, infelizmente, não corresponde à realidade. Isso porque, se as relações do filósofo com o regime nacional-socialista não atingiram, de maneira alguma, o nível do envolvimento de Heidegger, elas foram muito mais contraditórias do que uma versão de peremptória não adesão permite transparecer – uma versão, inclusive, de cuja autenticidade, ao fim da guerra, Jaspers procurou convencer as autoridades aliadas (LOSURDO, 2003, p. 49). E, a bem da verdade, análises de textos e documentos da época revelaram que a relação de Jaspers com o nazismo não foi de inquestionável rechaço, pois, se nunca aderiu praticamente ao regime ou apoiou o racismo e outras ideias segregacionistas, o modelo de ser humano “sem segundas intenções” que Arendt tanto admirava teve, nos anos iniciais da Chancelaria de Hitler, uma atitude bastante ambígua em relação ao regime, ao Führer e às expectativas nacionais por ele despertadas.

Domenico Losurdo, em suas investigações sobre as origens da Kriegsideologie[2] e as relações da filosofia de Heidegger com ela, mostra-nos como, às vésperas de Hitler ascender ao poder, Jaspers ainda endossava plenamente os juízos nacionalistas de Max Weber[3], pensador que, apesar de suas concepções liberais – veementemente repudiadas por Heidegger –, apoiou a “grande e maravilhosa guerra, (...) independente do resultado final” (LOSURDO, 2003, p. 9). Nesse endosso, um prefácio de 1932 aos escritos de Weber, intitulado “Max Weber, deutches Wesen im politischen Denken im Forschen und Philosophieren” [“Max Weber, a essência alemã no pensamento político, na pesquisa e na filosofia”], Jaspers utilizou-se de conceitos muito característicos da Kriegsideologie, tais como historicidade, povo, “essência alemã”, “destino comum”, “vontade de destino”, “comunidade de solo”, “culpa a respeito do ser” etc. (LOSURDO, 2003, pp. 41-56), os quais eram também muito presentes no ideário nazista[4]. Sua defesa do pronunciado nacionalismo de Max Weber foi tão enfática que ele se indispôs até mesmo com sua discípula dileta, Hannah Arendt, recriminando-a por sua recusa a identificar-se com o nacionalismo germânico. “Jaspers reafirma a Hannah seu orgulho em ser alemão nesse momento [3 de janeiro de 1933] e diz entender essa juventude nacionalista alemã que, é claro, se exprime num discurso confuso, mas manifesta boa vontade e um impulso autêntico para renovar o país.” (ADLER, 2007, p. 131) Arendt não concorda com tal nacionalismo e recusa a recriminação de Jaspers, respondendo: “para mim, a Alemanha é a língua materna, a filosofia e a criação literária” (ARENDT apud ADLER, 2007, pp. 130-1). E obtém, por sua vez, a seguinte tréplica do seu mestre: “quando invoca a língua materna, a filosofia e a poesia, bastar-lhe-ia acrescentar o destino político e histórico e, então, [entre nós] já não haveria qualquer diferença” (JASPERS apud COURTINE-DÉNAMY, 1999, p. 18). Segundo Adler, o entusiasmo de Jaspers é tal que ele “pretende dar um conteúdo ético à palavra ‘alemão’” (ADLER, 2007, p. 131). De um modo mais explicativo, a mesma informação encontra-se em Courtine-Dénamy, segundo a qual “Jaspers surpreendia-se por Arendt, enquanto judia, desejar distinguir-se da essência alemã e justificava o seu subtítulo, explicando que, para além dos abusos do adjetivo ‘alemã’, tentara restituir-lhe um conteúdo ético, através da estatura de Max Weber” (1999, p. 18).

Além desse nacionalismo às vésperas da ascensão de Hitler ao poder, Jaspers, em abril de 1933, congratulou Heidegger pelo reitorado e, ainda que com ressalvas, aprovou seu famoso discurso pronunciado na posse (“A autoafirmação da universidade alemã”). Em suas próprias palavras:
Seu discurso tem substância genuína. E eu não falo de estilo nem de densidade, a qual – como a distância eu posso ver – faz desse discurso o documento único nesses dias, e que continuará como tal, de uma vontade singular na universidade atual (...). Em suma, estou realmente feliz que alguém possa falar assim, alcançando as origens e os limites autênticos. (JASPER in BIEMEL; SANER, 2003, p. 149)
No verão de 1933, ou seja, coetâneo ao período da reforma universitária promovida pelo regime nazista, Jaspers, mesmo após ter vedada sua participação na administração da universidade, elaborou suas próprias teses para a reforma, as quais eram bastante convergentes com as oficiais. Por isso, em 23 de agosto, ele escreveu a Heidegger e considerou “a nova organização do ensino superior, recém-decretada pelo Ministério da Cultura de Baden, cujo cerne era a introdução do Princípio do Führer e a retirada de poder dos órgãos do colegiado, um ‘passo extraordinário’”. Com isso, esperava que seu amigo sensibilizasse “os líderes do governo para que se pusessem em contato com ele, Jaspers”, pois, afinal, suas “próprias ideias de reforma não estão em ‘discordância’ com os princípios até agora ouvidos da parte do governo’, mas que ‘são unas’ com eles”. Seu desejo, portanto, era participar da reforma, dado que, “no diagnóstico, ele coincide em tudo com Heidegger” (SAFRANSKI, 2000, p. 300). Também por isso se lamenta, dizendo: “não posso fazer nada sem ser solicitado, pois me dizem que como não-membro do partido e como esposo de uma mulher judia sou meramente tolerado, e não posso gozar de confiança” (JASPERS apud SAFRANSKI, 2000, p. 300). Lamento que mereceu de Losurdo um comentário incisivo: “nesse momento, mais do que rechaçar o regime, o filósofo se lamenta de que o regime o rechace injustamente” (LOSURDO, 2003, p. 52).

Esse conjunto de informações nos permite, então, dizer que a admiração de Hannah Arendt não parecia ancorar-se numa avaliação distanciada e justa da conduta de Jaspers ante o regime nazista. Do mesmo modo, também não procede a afirmação de Jeanne Hersch, segundo a qual o “seu rompimento [de Jaspers] com o Reich radicalizara-se desde 1933” (HERSCH, 1982, p. 8). Na verdade, numa carta a Heidegger, datada de 10 de julho de 1949, o próprio Jaspers indicou a data de sua ruptura: “isto era claro desde 1934, quando meu velho pai de 84 anos me disse: ‘Meu garoto, nós perdemos a pátria!’” (JASPERS in BIEMEL; SANER, 2003, p. 167). Portanto, pelo relato tardio, foi a partir de 1934 que ele se afastou de modo mais contundente do regime. E mesmo assim não o fez integralmente, pois, “ao continuar profundamente ligado aos motivos da Kriegsideologie, Jaspers não pôde proceder a uma ruptura ou tomar distância clara a respeito do III Reich, que havia herdado tal ideologia” (LOSURDO, 2003, p. 56). Essa afirmação de Losurdo tanto é verdadeira que, em 1935, ou seja, dois anos após a ascensão de Hitler e a instauração plena da perseguição a comunistas e judeus – e, também, um ano após a data que o próprio Jaspers atribui como a de sua ruptura com o regime –, ele ainda advogava em favor do nacionalismo alemão. Assim, em suas reflexões sobre a distinção weberiana entre a ética da responsabilidade e a ética da convicção, Jaspers ponderava que assumir esta última significaria “constranger os meus à mesma situação dos mais débeis no que diz respeito às relações do ser, dos impotentes, dos destinados à derrota” (JASPERS apud LOSURDO, 2003, p. 55). Por conseguinte, depreende-se daí que, naquele momento, ele “não só não deseja a derrota e a ocupação militar da Alemanha, mas que possui uma precisa crítica filosófica a todos aqueles que, provavelmente, deveriam desejá-la” (LOSURDO, 2003, p. 55).

Lapso de memória ou ocultação consciente? Pelo visto, sem menosprezar as tensões e críticas que efetuou ao nazismo, Jaspers omitiu para a posteridade as suas simpatias iniciais pelo regime de Hitler, pois, até 1935, ainda advogava em nome do nacionalismo alemão, que, naquele momento, estava consubstanciado no governo nacional-socialista.

Essas considerações acerca de suas relações com o nacionalismo conservador e o nazismo nos levam, obrigatoriamente, ao conteúdo das ideias filosóficas e políticas de Jaspers.

Filosofia e política

Dentre as muitas características da filosofia e do pensamento político de Jaspers, algumas, de modo explícito, permeiam amplamente suas reflexões. Na esfera estritamente filosófica, sobressaem a crítica à pretensão totalizante da razão[5], a presença de certo “mistério” que emerge no limiar do conhecimento e a angústia como – e as situações-limite criadoras de um – estado de espírito favorável à conquista do “ser-si-próprio”. Na esfera política, obviamente perpassada pela anterior, predominam os sentimentos de uma ruptura histórica – e, típicos da filosofia conservadora, seus pares integrados, historicidade e destino –, uma nostalgia aristocrática das formas de viver e das produções espirituais e personalidades do passado, um arraigado pavor à ascensão das massas populares à esfera pública, um repúdio sistemático ao socialismo e, especialmente no pós-guerra, frisando as reservas de praxe (monopólios, desigualdade, concentração do poder), um leve apreço pela democracia burguesa. Destarte, na abordagem desse complexo de questões, comecemos, por sua posição na articulação conceitual de seu pensamento filosófico e político, pelas críticas jasperianas à pretensão totalizante da razão[6].

Nessas críticas, Jaspers trata os resultados da pretensão totalizante da razão como “conhecimento dogmático” (absoluto) dotado de “objetividade rigorosa” – suporte da expectativa de prever e controlar o próprio curso da história[7] – e, na senda de Kierkegaard, nulificador do indivíduo. Numa assertiva em que, ao pretender repeti-lo, radicaliza o gérmen irracionalista no pensamento de Kant, o filósofo escreve: “se existe a unidade da vida (que permitiria compreender como a vida brota do inerte), essa unidade permanece inatingível, no infinito. Realizando surpreendentes descobertas in partibus, a ciência de nossos tempos não faz senão adensar o mistério in totum” (JASPERS, 1971, p. 20). Para Jaspers, pela pretensão e pelos resultados, “esta perspectiva de conjunto, este querer conhecer em que consiste, histórica e atualmente, a totalidade, é erro de base; o ser da totalidade é ele próprio problemático”. Daí que, para que alcance um conhecimento justo e, nos parâmetros que ele define, verdadeiro, é fundamental que o pensador “não se arrogue o conhecimento da totalidade” (JASPERS, 1968, pp. 44-5). E uma das causas desse erro está na incompreensão de que “a totalidade nunca é (...) pura e simplesmente o todo” (JASPERS, 1968, p. 132). Sendo o próprio transcendente parte integrante da totalidade, “o saber total é impossível porque o todo que nos envolve não é um objeto” (JASPERS, 1965, p. 239). A totalidade “é a tensão entre valores incompatíveis. Não constitui para nós objeto concreto, mas, num vago horizonte, o espaço de encontro do homem com a transcendência, realização das obras humanas, glorificação do sobrenatural ao nível da natureza, predestinado, embora, a submergir no abismo, reduzido a nada” (JASPERS, 1968, p. 171). Não há, portanto, resolução racional para esta questão: “quanto mais conhecemos, tanto maior nos parece o mistério da totalidade” (JASPERS, 1965, p. 179). Para Jaspers, isso não significa que não exista unidade dos objetos do mundo. Há, mas esta unidade não é unidade em-si, pois a ciência apreende os objetos deslocados do todo e, ao fim, a razão efetua, para-nós, a unidade rompida pelo intelecto, que, em sua tarefa analítica, deslocou os objetos do “abrangente” (“englobante”). Encontramo-nos aqui em pleno coração do idealismo subjetivo, haja vista que, no limiar do salto para a transcendência,

é a razão que impõe e instaura a unidade, ligando entre si as modalidades do englobante, bem como os fenômenos que nele se produzem. Trata-se de uma necessidade cuja existência se eleva das raízes da própria razão. A unidade requerida pela razão é condição de sentido. Mas é a existência vivente que acredita no sentido e põe a razão em movimento. É ela que dá à razão a eficácia de um englobante que está aberto a tudo e quer unir todas as coisas (HERSCH, 1982, p. 39).

Outrossim, para Jaspers, a tentativa de apreensão da realidade (social ou natural) como totalidade constitui, além de um equívoco teórico, um sinal de presunção intelectual e de imperdoável arrogância. O tom místico, a nota pessimista e a repreensão moral que ecoam dessas assertivas explicitam que, para ele, há sempre uma dimensão misteriosa, transcendental – nas origens, no futuro, para além do homem e seu mundo –, que é incomensurável e incognoscível à existência humana[8], e qualquer tentativa de conhecê-la merece reprovação intelectual e moral.

Em benefício do filósofo da existência, se é que podemos dizer assim, essas críticas à totalidade não eram exclusividade da sua filosofia, mas comuns a muitos teóricos que, em oposição ao fascismo (e ao nazismo), viam nesta categoria uma das fontes filosóficas da planificação total e, com ela, uma ameaça às liberdades burguesas. Para Lukács, dentre as muitas definições de totalidade, a mais influente, radical e caricatural foi a formulada por Othmar Spann. Nela, “a sociedade, enquanto totalidade, significa (...) a supremacia absoluta da ordem e da hierarquia, o que quer dizer que a totalidade exclui a causalidade e, mais ainda, a evolução” (LUKÁCS, 1979a, pp. 238-9). Devido a essas características, mesmo que Spann não tenha sido um fascista, suas ideias eram perfeitamente compatíveis com a perspectiva de constituição de uma sociedade hierárquica e organicamente estruturada, como apregoava o mito fascista da superação da própria história com o advento de uma sociedade imutável e eterna. Não é casual, portanto, que sejam numerosos “aqueles que acreditam que ela [a categoria de totalidade] provém do vocabulário do fascismo” (LUKÁCS, 1979a, p. 238) e, ao mesmo tempo, também aqueles que, na crítica à categoria de totalidade formulada por Spann, suprimiram “toda ideia de totalidade”. Para efeito de uma compreensão mais adequada do problema, cabe sublinhar que essas críticas não se dirigiam apenas às ideias fascistas e suas aspirações sociopolíticas, mas, de um modo geral, também àquelas filosofias que, muito distantes do fascismo, advogam um conhecimento objetivo da realidade: a filosofia hegeliana e o marxismo.

Lembremos que na época em que Jaspers desenvolveu suas reflexões sobre o tema, anos 1920, a União Soviética e suas experiências de planificação econômica já constituíam uma realidade e, pelos efeitos sobre a consciência e a luta proletária de outros países, um exemplo ameaçador à sociedade burguesa[9]. Nesse sentido, suas críticas à categoria de totalidade visavam, afora a tentativa de resolução de um problema eminentemente filosófico, a atingir tanto o fascismo quanto o comunismo, como podemos ver nessa afirmação: “é pois compreensível que quase todos fracassem [na busca pela organização racional da existência]. Como fugas para soluções de facilidade surgem o bolchevismo e o fascismo” (JASPERS, 1968, p. 142). Procedendo assim, além da comum arbitrariedade de subsumir ideários radicalmente distintos sob a mesma formulação abstrata – equívoco que, diga-se, também está presente em certas ideias de Hannah Arendt –, ele recusou, sob o pretexto de que uma ação desse tipo pressupõe o “conhecimento total” da realidade, a intervenção consciente dos homens na história. Em sua concepção, tal fato ocorre porque os adeptos dessa intervenção esquecem-se de que “há um outro limite da história: não percebemos o conjunto da história como um todo lógico. A ciência empírica da história sempre se põe frente ao azar. Tal é a característica essencial de seu objeto” (JASPERS, 1971, p. 29).

Com essa exclusão da categoria da totalidade da ciência da história – isto é, do conhecimento científico do homem sobre si mesmo –, Jaspers assevera que sua assunção no corpus de qualquer pensamento filosófico- científico somente pode ser o resultado de uma profunda incompreensão da própria natureza da história humana, incompreensão que impulsiona o homem a querer conduzir sua história à maneira das coisas do mundo da técnica. Diz ele: “pode-se planejar na esfera do mecânico e racional, não na esfera do vivo e espiritual”. Sendo que a crítica a essas arbitrárias tentativas de planejamento passaria pela compreensão de que “a tendência à planificação total tem essas duas fontes principais: o exemplo da técnica e a sedução do suposto saber da história em sua totalidade” (JASPERS, 1965, p. 240). Desse modo, devido tanto ao caráter idealista e politicista de sua filosofia como, certamente, à influência sofrida pelos caminhos – e descaminhos – do desenvolvimento da União Soviética, Jaspers identifica comunismo e fascismo à “planificação total”, e esta, por sua vez, ao totalitarismo. Resultado: sua vinculação da categoria de totalidade ao totalitarismo é, ao mesmo tempo, uma refutação do comunismo[10]. E, assim como tantos outros pensadores do seu (e do nosso) tempo, ele utiliza, ante o rol das correntes de pensamento, o marxismo como objeto privilegiado de sua crítica à totalidade[11].

Um considerável exemplo de como, em larga medida, Jaspers efetua o combate ao marxismo e ao comunismo por meio da crítica à pretensão totalizante da razão pode ser lido em seu livro Vom Ursprung und Ziel der Geschichte (Origem e meta da história), de 1949, no qual esta crítica ocupa por inteiro o subcapítulo intitulado Sozialismus. Nele, logo após reconhecer o socialismo[12] como “o traço fundamental de nossa época” (JASPERS, 1965, p. 225), o filósofo estabelece uma cadeia de relações na qual vincula a referida pretensão à dialética, ao marxismo, à inexorabilidade do processo histórico, à planificação – especialmente a plenitude desta, a planificação total – e ao comunismo. Por isso, após frisar que o “socialismo moderno” não se resume ao marxismo, afirma que ele,

na forma do marxismo (comunismo), parte também de um conhecimento total do curso das coisas humanas. Em virtude do método da dialética histórica, que se pretende científica, concebe-se a realização do comunismo como fatal e inexorável. A verdadeira ação do comunista descansa na certeza desta força que ele não faz mais do que acelerar (JASPERS, 1965, p. 225).

O raciocínio de Jaspers sobre o tema é relativamente simples. De modo sintético, ele sustenta que a planificação é uma característica básica da existência humana, pois “qualquer necessidade é a origem da planificação”; e ainda, que a necessidade bélica “é a fonte da planificação total”. O comunismo, que nasce no interior dos conflitos sociais e por meio da violência (revolucionária), constitui o ideal de uma sociedade totalmente planificada, e esta, por sua vez, exige um conhecimento total da realidade e um poder estatal absoluto. Diante disso, os problemas resultam do fato de que “ninguém pode ver claramente o entrelaçamento das realidades econômicas” e “nem é possível uma vontade e nem um conhecimento de conjunto” (JASPERS, 1965, pp. 229; 238). Igualmente, que “não se pode refrear a planificação total econômica limitando-a à esfera da economia, pois se torna universal para a vida dos homens. A regulação da economia leva à regulação de toda a vida pelas consequências das formas de vida que engendra” (JASPERS, 1968, p. 232). Por isso, o comunismo, que pretende converter o homem “em Deus”[13], em artífice de sua própria história[14], só pode ser a imputação arbitrária de uma visão unilateral e monocausal[15] acerca da realidade, e que, na prática, só pode assumir a forma de uma sociedade totalitária. Nesse sentido, sua concretização, longe de realizar as intenções originárias dos “princípios socialistas”, resulta no oposto delas. Isso porque,

enquanto as pretensões socialistas se mantêm no concreto, são válidas, sempre dentro de certos limites. Só quando se perde de vista o concreto e se supõe possível a fantasia de um mundo humano feliz, se tornam abstratas e absolutas. O socialismo se converte, então, de ideia em ideologia (JASPERS, 1965, pp. 246- 7).

De facílima compreensão, as suas críticas à totalidade e a sua conceituação de ideologia receberão, mais adiante, um tratamento adequado. Por ora, lembremos apenas que, na linha da apologia indireta da sociedade burguesa, a leitura de Jaspers não desqualifica os “princípios socialistas” de modo absoluto e, publicamente – em privado a situação era diferente, pois, como demonstram as cartas trocadas com Arendt, as críticas eram veementes e, em alguns casos, até mesmo vulgares –, nem o próprio Marx, a quem, eventualmente, reconhece conquistas intelectuais[16]. Ela, ao contrário, implica uma postura conciliatória em relação a esses princípios, mas somente naqueles aspectos que, a seu ver, não afetam a essência da sociedade burguesa[17]. É isso que, a partir do que vimos acima, permite-nos entender a seguinte afirmação do filósofo:

Na economia de livre mercado não há modo de progredir sem uma ampla planificação – ainda que neste caso limitada –, na qual está incluído o laissez-faire e o restabelecimento das condições sob as quais pode existir a concorrência como método de seleção e crédito. O plano de não planejar cria marcos e possibilidades pela virtude das leis. (JASPERS, 1965, p. 233)

O planejamento, então, deve ser implementado para garantir a concorrência e não para suprimi-la,

pois somente na luta da concorrência, livre de prescrições legais, se pode esperar de modo confiante o desenvolvimento e o progresso, a busca e o ensaio de inovações, a perspectiva de novas oportunidades; somente nela se alcança o êxito pela virtude da completa tensão de todas as forças espirituais, porque, quando falham, em seguida ameaça a bancarrota (JASPERS, 1965, p. 230).

Apesar de afirmar, por conseguinte, que “as velhas oposições quanto a perspectivas do mundo, como o individualismo e o socialismo, o liberalismo e o conservantismo (...) não correspondem já ao nosso tempo, embora sirvam ainda, por toda a parte, de emblema ou de motivo de insulto” (JASPERS, 1968, p. 225), Jaspers não faz nada mais do que subscrever com traços keynesianos o ideário liberal. E, também aqui, nas esferas econômica e política, não produziu nenhuma alternativa, nenhum “terceiro caminho”, mas apenas respaldou ideias preexistentes.

Em alguns excertos de seus textos – os quais indicam tanto seus desdobramentos irracionalistas como o entrelaçamento de sua filosofia com a Kriegsideologie –, é bastante ilustrativo esse descrédito jasperiano acerca das capacidades da razão. Num deles, em nítidas tonalidades kantianas, o filósofo expôs assim as suas negativas acerca da possibilidade de um conhecimento objetivo e totalizante da realidade: 

Vivemos na realidade como em um mundo de enigmas que se conflitam. Desmistificando os fenômenos, o conhecimento científico só consegue, por contraste, tornar mais clara e mais rica a ação desses enigmas (...). Uma realidade incognoscível precede a possibilidade do conhecer e não é alcançada pelo conhecimento. Para o tipo de conhecimento de que dispomos, o mundo é insondável (...) O mundo não é aparência, mas realidade. Realidade que é manifestação, fenômeno. Enquanto fenomenalidade, “possibilidade de manifestar-se” [Erscheinungschaftingkeit] o mundo encontra apoio na realidade, no abrangente que, de sua parte, jamais se manifesta como realidade no mundo, como objeto passível de estudo (...). O mundo real [Realität] é manifestação da realidade e não a realidade [Wirklichkeit]. (JASPERS, 1971, pp. 22; 24; 38; 41)

No contexto histórico da decadência burguesa, esse limite inexpugnável exprime o fracasso do conhecimento frente ao mundo e ao transcendente e, com isso, alimenta o absurdo pessimismo da redução do homem ao nada, pois as ações humanas efetuam-se, cada vez mais, assentadas na incerteza[18]. Isso ocorre tanto no âmbito individual quanto no coletivo – que, na sociedade burguesa, exprime-se na forma da política[19].

Entende-se, assim, a resignação de Jaspers que, ancorado nesse solo fértil para o niilismo e o intuicionismo filosófico e religioso, escreve: aquilo “que à divindade cabe saber não cabe ao homem querer saber”. Como sem o conhecimento não cabe ação coerente, mais adiante, apensa: “o que mais valha [fazer] ante a transcendência a ninguém cabe saber” (JASPERS, 1968, pp. 48; 153). E ainda, como se não bastasse a resignada assunção da incognoscibilidade do mundo e da história – isto é, o fracasso do conhecimento científico – e a identificação (mas não resolução) dos “mistérios da existência”[20], Jaspers atribui às pretensões científicas o próprio fundamento da infelicidade humana. Em seus termos, “começa a infelicidade do gênero humano quando se identifica o cientificamente conhecido ao próprio ser e se considera como não-existente tudo quanto foge a essa forma de conhecimento” (JASPERS, 1971, p. 23). No entanto, longe de extrair plenamente todas as consequências de sua asserção, Jaspers, numa atitude típica dos pensadores que se inserem no caminho do irracionalismo moderno[21], extrai aspectos surpreendentemente positivos destes limites inexpugnáveis do conhecimento. Um exemplo: “a dignidade do homem reside no fato de ele ser indefinível. O homem é como é porque reconhece essa dignidade em si mesmo e nos outros homens” (JASPERS, 1971, p. 54). Como em Heidegger, não são os aspectos positivos da existência que impulsionam o indivíduo a desenvolver uma postura consciente acerca de si e do mundo, pois a vida não ganha sentido e “não encontra sua realização verdadeira” senão nas situações-limite[22] (especialmente na maishistórico que fomenta a cadência das ações de poder político, sem, todavia, ser, como totalidade, abrangível.” (JASPERS, 1968, p. 141) incontornável delas, a morte), que são as experiências pessoais – por ele consideradas – autoesclarecedoras. Por isso que, em suas palavras,

uma dominação total da organização da existência destruiria o homem como existência e exigência face

Pouco importa, aqui, discutir se as filigranas de suas elucubrações sobre uma suposta “dominação total da organização da existência” – não é difícil compreender que, para ele, trata-se de uma sociedade comunista – encontram algum lastro teórico ou prático, dado que elas se assentam numa clara incompreensão do que, para o marxismo, é a totalidade e o próprio comunismo. Importa, isto sim, salientar como, no espírito dos teóricos que alimentam a Kriegsideologie[23], Jaspers exalta situações problemáticas – desde a insegurança e a angústia[24] até as diversas “situações-limite”, como o nascimento, “as limitações particulares de minha existência, (...) a morte, o sofrimento, a luta, o erro” (JASPERS apud HERSCH, 1982, p. 65) – como motivações fundamentais para a consciência e a autoconsciência[25].

Estas situações-limite abrem (...) uma perspectiva sobre a condição empírica: esta é questionada na sua totalidade; perguntamo-nos se ela é possível, ou impossível, ou possível de uma outra maneira. A condição empírica em geral é compreendida como um limite, experimentada na situação- limite que torna manifesto o caráter problemático do ser no mundo e do meu ser nele. (JASPERS apud HERSCH, 1982, p. 65)

Para o entendimento adequado desse aspecto do pensamento de Jaspers, é de suma relevância compreender que a consciência acerca da sua situação e do mundo que o indivíduo alcança por meio das perspectivas abertas pelas situações-limite nunca é uma apreensão racional – isto é, passível de expressão pelo discurso científico ou filosófico. Ela é o resultado de uma experiência, de uma percepção religiosa. E para essa experiência, ao contrário do que se possa imaginar, o intelecto não constitui um obstáculo, mas uma espécie de “abre-alas” racional para que aquela experiência intuitiva possa genuinamente ocorrer[26]. Segundo ele,

a unidade da natureza universal, do Um-Total que repousa em si mesmo é experiência possível para uma percepção religiosa do mundo. Considerando ao mesmo tempo, todas as coisas e tudo o que é particular e individual, essa percepção religiosa descobre no mundo uma linguagem cifrada. Os caracteres enigmáticos dessa linguagem nada são para a ciência, que não os pode provar nem refutar (JASPERS, 1971, p. 24).

Se, como vimos, para Jaspers, não há objeto sem sujeito e nem sujeito sem objeto, essa unidade da natureza que, ao mesmo tempo, engloba sujeito e objeto, ultrapassa a ambos e torna possível ao sujeito apenas uma apreensão do objeto para-si, jamais em-si, ele denomina das Umgreifende (abrangente, oniabrangente ou englobante)[27]. “Reconhecê-lo, nenhuma importância tem para o conhecimento científico ligado a objetos (...). É impossível o salto do intelecto até ele. Ele se vale do intelecto para o transcender, sem perdê-lo.” Como dissemos, o intelecto – isto é, as ciências – abre o caminho para “um tipo diverso de pensamento” (JASPERS, 1971, p. 44), ou seja, à intuição. Nesse salto reflexivo, a negatividade é novamente metamorfoseada em positividade: “é pelo fato de o homem não poder conhecer-se em nenhuma das diferentes espécies de conhecimento e que ele integra após o conhecimento objetivo ao seu processo filosófico, que ele abrirá caminho através da situação, superando-se a si próprio” (JASPERS, 1968, p. 229). Para as indagações que os conhecimentos filosófico e científico não podem responder, e que, por essa irresolução, enredam o indivíduo num beco sem saída intelectual, só podem brotar respostas, “por estranho que pareça, de uma decisão”. Qual? A de experienciar a plenitude da existência (expor-se aos golpes do destino, assumir sua liberdade e as situações-limite), assumir o abrangente e, pela apreensão das cifras, “ouvir” a “fluida linguagem dos enigmas (...), a linguagem da Transcendência” (JASPERS, 1971, pp. 41; 43; 113). Pois, “uma vez tomada a sério a existência, o elemento que a ultrapassa virá ao seu encontro” (JASPERS, 1968, p. 230). Em suma, não é o pensamento que, pelo intenso trabalho de prospecção executado pelo sujeito, reproduz o objeto como totalidade objetiva[28] sob a forma conceitual[29], mas é o sujeito-objeto (abrangente) que, nos limites do pensamento, pela decisão existencial[30] do sujeito, virá ao encontro deste pelas vias da intuição[31].

Lukács, em sua longa reflexão sobre o moderno irracionalismo alemão, demostra que as raízes da proeminência da intuição sobre o pensamento discursivo estão fincadas nas antinomias kantianas e na resistência/incapacidade do filósofo de Königsberg de resolvê-las dialeticamente (cf. LUKÁCS, 1970, pp. 5-23). Nas décadas posteriores, o valor filosófico da intuição ascendeu sob o influxo das obras do velho Schelling, Schopenhauer, Kierkegaard e dos adeptos dessa tradição que, em diversos casos, levaram a filosofia a desaguar violentamente nos mares da teologia, com sua pletora de enigmas, sinais, revelações etc[32]. Demonstra também que, dentre os inúmeros problemas relacionados à via intuitiva do conhecimento, os principais são seu caráter aristocrático[33] e, devido à revelação imediata e à impossibilidade de comprovar racionalmente suas “aquisições”[34], sua promoção da ideia de eleição[35]. De um modo ou de outro, ambos fomentam o – e, ao mesmo tempo, nutrem-se do – desprezo pelas massas populares e pela democratização radical das formas de participação política. Para seus aristocráticos adeptos, o Iluminismo, a Revolução Francesa e a ascensão das massas populares, com suas aspirações, exigências e sublevações, constituem uma ameaça aos seus privilégios e à sua distinção social. Uma pequena, mas consistente, demonstração da correção da análise lukacsiana pode ser encontrada logo no início de Die geistige Situation der Ziet (A situação espiritual do nosso tempo), um livro no qual, sem o esmaecimento de floreios exagerados, Jaspers franqueia seus sentimentos:

O tempo (...) foi abalado no século passado por um sentimento de perigo: o homem sente-se ameaçado (...). O sentimento de uma ruptura histórica é geral. A novidade, porém, não é já a revolução social a implicar destruição, transferência da propriedade, desaristocratização (...). Como traço específico da época moderna, temos, desde Schiller, a consciência da dessacralização do mundo (...). Essa dessacralização não é a do indivíduo descrente, mas a consequência de um desenvolvimento espiritual que neste caso conduz ao nada. (JASPERS, 1968, pp. 24; 31-4)

E mais adiante, num tom saudosista típico da aristocracia:

Nota-se hoje uma perda da insubstituível substância contínua, impossível de estancar. Os caracteres fisionômicos das gerações parecem, de há um século para cá, abastardar-se regularmente (...). A decadência tem uma causa espiritual. A autoridade fora o estilo dos vínculos humanos numa base de confiança; conferia ela um elemento legal e reatava o indivíduo à consciência do ser. Esta forma dissipou-se definitivamente no século XIX sob o fogo da crítica. (JASPERS, 1968, pp. 126-7)

Baseado nessa compreensão da crise, nutrindo sentimentos nostálgicos diante da dessacralização – isto é, do avanço da razão ante a fé –, negando a possibilidade de uma apreensão racional e totalizante das contradições e problemas da realidade e, ainda, transtornado pelo declínio da autoridade aristocrática e religiosa[36], Jaspers não pode encontrar saída nas ações conscientes dos homens voltadas para o futuro. Ele volta-se, então, para o passado, no qual avalia encontrar o solo, o fundamento e a origem incorrupta do homem. “Urge, assim, um regresso às origens, ao ser humano, de que o estado e o espírito extraem sentido e realidade.” (JASPERS, 1968, p. 129) Nesse refúgio original, o mundo do seu (e do nosso) tempo se apresenta como o locus da degeneração, por isso o ir adiante virtuoso é, inevitavelmente, um retorno ao passado[37]. E não há dúvida, o fundamento dessa degeneração é a emersão das massas populares, pois, do mesmo modo que “o estado, na sua qualidade de aliado dos homens, é passível de degeneração, assim [ocorre com] o espírito, desde que não viva a partir das suas próprias origens uma vida autêntica, mas falseada ao serviço das massas numa mera mediatidade pragmática” (JASPERS, 1968, p. 177). Ressaltemos que, também como em Heidegger, essa jasperiana “glorificação romântica do passado”[38] (LUKÁCS, 1959, p. 424) é ambígua, tendo em vista que oscila entre a singularidade do povo[39] e a da Antiguidade ocidental[40]. E mais, para não deixarmos escapar o fio de Ariadne das afinidades, tal glorificação romântica, assim como o desprezo pelas massas e pela ameaça por elas representada (o jacobinismo)[41], constitui um dos temas centrais da Kriegsideologie. Mas, enfim, as (muitas vezes) ríspidas palavras que se seguem adensam nossa compreensão acerca dos sentimentos de Jaspers, tendo em vista que tratam de dois fenômenos educacionais protagonizados pelas massas no século XX: a universalização da educação escolar básica e a ampliação do acesso ao ensino superior. Segundo ele:

Os valores do espírito decrescem na razão inversa da sua expansão às massas (...). Com a organização aplanante da massa desaparece a classe culta, que graças a uma instrução continuada desenvolvera uma disciplina de pensamento e de sentimento que lhe permitiu ser fiel ressonância de criações do espírito (...). A divulgação às massas do saber e da sua expressão leva ao desgaste das palavras e das frases. Neste caos da cultura, tudo se pode dizer sem que, contudo, o que se diga signifique (...). O acesso das massas às universidades tende a destruir a ciência como tal (...). No fundo a ciência é o domínio aristocrático daqueles que por ela optam. A vontade original de conhecimento, única capaz de evitar uma crise da ciência, cabe exclusivamente ao indivíduo e ao risco que a si mesmo se impõe. (JASPERS, 1968, pp. 180; 211-2).

Se as massas populares são constituídas por uma imensa gama de indivíduos desqualificados em termos humanos (sentimentos, intelectualidade, moralidade), milhões de Midas às avessas que espalham a degradação e a corrupção dos saberes e dos costumes, não se pode conceber uma atuação resolutiva em relação aos problemas políticos pela virtuosidade de sua participação nessa esfera da vida humana. Sobretudo quando se acredita, como são os casos de Jaspers e Arendt, que “a política é o mais importante dos instrumentos no que diz respeito à nossa coexistência no mundo”, supondo-se que seu objetivo é tornar o homem “autenticamente ele próprio, livre para ordenar os negócios internos da nação e para afirmar- se face ao exterior” (JASPERS, 1971, pp. 67; 69). Porém, como avalia que as democracias – isto é, as democracias das sociedades capitalistas – expressam mais o nivelamento humano promovido pelo aparato técnico que nos reduz a mera função[42] do que a profunda educação política de todos, Jaspers sustenta que “a liberdade política dos homens é rara, inclusive excepcional (...). E a exceção maior, mais eficiente, mais considerável, é a Inglaterra, junto com os Estados Unidos da América”[43] (JASPERS, 1965, p. 221). Mas mesmo esta exceção deve ser matizada, pois, seja onde for, a democracia é um regime político muito contraditório: ao mesmo tempo em que “trata de promover a eleição justa para que se expresse a verdadeira, permanente e essencial vontade do povo” (JASPERS, 1965, p. 219), ela deve excluir “o domínio das massas (a oclocracia) que está sempre enlaçado à tirania”. Isso significa que “liberdade política é democracia, mas por virtude de formas e graus”; daí, para que não ocorra sua degeneração, a necessidade da “primazia de uma camada aristocrática que continuamente está se formando e substituindo, saída da população total em virtude do rendimento, do mérito, do êxito, na qual o povo se reconhece a si mesmo” (JASPERS, 1965, pp. 212-3). E, em conformidade com os outros aspectos de sua filosofia, a política também é (e deve continuar sendo), em seus postos fundamentais, acessível a um número reduzido de indivíduos e dependente da excepcionalidade destes para a consecução de seus objetivos. Enquanto na filosofia são os homens autênticos que, “estando na origem dos voos mais altos possíveis no mundo de hoje, só eles, no fundo, são suscetíveis de exprimir valores autenticamente humanos” (JASPERS, 1968, p. 299); na política, tais homens são os “grandes estadistas”. Todos, então, que vivem ou almejam viver numa democracia dependem deles, podendo-se dizer que “o mundo da liberdade estará perdido se não aparecerem, a cada geração e por meio da educação de homens livres, os grandes estadistas”. Por via de consequência, como poucas pessoas “percebem para que destino as está conduzindo a liberdade” (JASPERS, 1971, pp. 71-2), a democracia é, ao fim e ao cabo, mesmo que muitos participem, um regime político no qual poucos decidem acerca do “destino do estado”. E para Jaspers isto não é um problema; ao contrário, tem de ser assim[44]. Inclusive porque avalia que a democracia (burguesa) também é necessária como regime político adequado à contenção dos movimentos proletários em prol do socialismo[45]. Por fim, cabe apenas apontar a profunda contradição que há no discurso jasperiano entre a sua compreensão da natureza da história humana – e, em específico, da esfera política – e o seu incentivo à intervenção dos homens na condução de seus destinos individuais e coletivos. Para Jaspers, o estado constitui a culminância existencial da coletividade: “a vontade ao encontro do estado é a vontade do homem ao encontro do seu destino”. Por conseguinte, não é em nada estranho que ele tenha atribuído à “consciência política” que anima os indivíduos em suas atividades nos negócios de estado uma função de grande relevo na história, pois, com ela, “pôde o homem alcançar o conhecimento da força como função executiva do poder que, sempre presente, decide da estática e da dinâmica das coisas” (JASPERS, 1968, pp. 132; 134). Em tempos de crise sociopolítica e humana aguda, porém, o homem perde-se na indecisão da vida inautêntica e, com isso, “o destino político de todos se afigura ser a própria ausência de destino[46], porquanto ele só é possível onde o ser-si- próprio abranja a existência e pela sua atividade se comprometa a arriscá- la e realizá-la” (JASPERS, 1968, p. 156). Mas essa ação da qual depende o destino de todos não pode ser orientada por uma consciência política portadora de uma visão totalizante e objetiva das contradições que permeiam e convulsionam a vida social. Ao contrário, porque “a atividade política processa-se, antes, a partir de uma situação histórica concreta dentro de uma ininteligível totalidade” (JASPERS, 1968, p. 167), o indivíduo que compromete a sua existência nessa atividade o faz às cegas. Nem mesmo a filosofia, segundo Jaspers, teria capacidade de ascender a esta visão, pois “o homem não é aquilo que conhece nem conhece aquilo que é”. Seu ser é insondável. Por isso, “em lugar de conhecer a própria existência em função do transcendente, [o homem, por meio da filosofia] limita-se, pois, a introduzir um processo de clarificação” (JASPERS, 1968, p. 251). Nesse sentido,

resta ao homem, pois, o fato auditivo de uma língua que lhe dá acesso à concreta humanidade e através da qual, durante a sua vida, comunicará com o futuro. A consideração da totalidade histórica, pelo contrário, desvia do plano no qual a história se realiza, indizível e secreta. Qualquer tentativa de previsão a partir da história indica apenas um horizonte dentro do qual o indivíduo age (JASPERS, 1968, p. 314).

Esse horizonte individual aberto pela decisão e a “escuta” de uma linguagem cifrada pode, no máximo, permitir ao indivíduo comungar com a transcendência o destino da humanidade, dado que esta “tem uma origem única e uma meta final. Mas não conhecemos, em absoluto, nem esta origem e nem esta meta” (JASPERS, 1965, p. 18). Submisso a uma meta que o transcende, o ser humano apenas assume, altivo, que a “Sua consciência de ser se realiza com base em algo que ele jamais compreende, mas de que acredita participar uma vez que seja ele mesmo” (JASPERS, 1971, p. 48). Como vimos, o que lhe permite essa participação altiva num incógnito destino é a filosofia, pois ela é, “hoje, a única possibilidade que resta ao indivíduo conscientemente desabrigado”. E mais, “no modo da sua vida filosófica se inscreve o futuro do homem” (JASPERS, 1968, pp. 220; 304). Isto significa que à filosofia está vinculado o futuro do homem, a mesma filosofia que é para poucos – pois são poucos os dotados de nobreza suficiente para efetuar os esforços sobre-humanos exigidos para se desprender da “dispersão” –, incapaz de ascender a uma visão concreta e total da realidade humana e que, inclusive, é mais uma questão de fé do que de razão[47], haja vista que seu mais importante resultado é clarificar os limites da existência e possibilitar ao homem assumir o seu destino e abrir- se para “escutar” a linguagem não-racional da transcendência.

Por trás dessas concepções tão diversas, oculta-se uma herança teológica (que se torna ainda mais oculta com o passar do tempo): a essência seria captável tão só por um pensamento divino, enquanto ao pensamento humano caberia apenas o mundo das aparências e dos fenômenos. (LUKÁCS, 1979b, p. 82)

Como a ação política ou humanamente emancipatória – uma ação necessariamente coletiva – exige uma leitura coerente e racional da realidade, inclusive das metas a serem alcançadas, só pode ser bastante limitado – ou reacionário –, portanto, o horizonte de uma ação norteada por uma filosofia que não nos orienta acerca do que, coletivamente, podemos almejar e não nos permite construir, mas apenas assumir, o nosso “destino”.

Considerações finais

Como vimos, as ambiguidades de Jaspers na relação com o regime de Hitler foram bastante tensas e contraditórias, passando de um relativo entusiasmo inicial à crítica e ao rechaço. Inexistentes para Hannah Arendt ou Jeanne Hersch, que viam em Jaspers um intransigente opositor ao nazismo, essas ambiguidades do relacionamento do filósofo não foram expressões de uma escorregadela ou equívoco prático, sem qualquer comprometimento de suas ideias. Ao contrário, sob muitos aspectos, suas ideias filosóficas e políticas eram bastante concernentes àquelas da Kriegsideologie, que, como foi assinalado, constituiu um dos principais mananciais ideológicos dos quais se nutriu o nazismo. Em suas obras percebe-se, então, um intenso nacionalismo e, num determinado momento, uma exaltação dos valores da guerra e do povo, ambos aliados à desconfiança acerca das potencialidades da razão e à valorização da intuição (de conotação religiosa). E, de modo distinto dos nazistas, que fundavam a legitimação político-ideológica e o controle das instituições políticas na participação/mobilização permanente das massas populares, Jaspers, mais identificado com os antigos valores aristocráticos, desconfiava dessa participação, propugnando uma democracia com predomínio prático (nas instituições político-culturais) dos homens com qualidades forjadas nas situações-limite (ou ao menos aptos a extrair força e esclarecimento delas) e, por meio da intuição, capazes de ouvir as “cifras do transcendente”.

Comungando, enfim, com ideias filosóficas antitéticas à razão – especialmente, como ficou explícito em seu tratamento da categoria da totalidade, à razão dialética – e aos valores da burguesia do período revolucionário, bem como ao pensamento marxista e ao movimento comunista, a defesa da democracia efetuada por Jaspers, sobretudo no pós- guerra, não poderia ser vigorosa e consistente, dado que lhe faltavam os necessários pressupostos teóricos. Por isso, de modo semelhante a muitos críticos atuais, que rejeitam o secundário para fortalecer o essencial da ordem prevalecente, Jaspers, em seu tempo, nos termos de Lukács, fazia uma apologia indireta da sociedade burguesa. Ou seja, se atentarmos para o conteúdo e o tom de muitos discursos/textos “críticos” à ordem que vicejam em nossos dias, veremos que, pelas avessas – isto é, pela crítica a ele –, Jaspers ainda tem muito a nos ensinar.

= = =
Notas
[1] Professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
[2] A Kriegsideologie (“ideologia da guerra”) é um conjunto de ideias e valores forjados no contexto da “Grande Guerra” (I Guerra Mundial) que, em oposição aos valores iluministas (e racionalistas) da burguesia liberal e – de modo peculiar – dos socialistas, exaltava o sangue, a terra, o povo, a morte na guerra; enfim, ideias e valores que, de inspiração romântica, eram francamente irracionalistas.
[3] Segundo Laura Adler, em seu nacionalismo, Max Weber chegou ao nível de afirmar que “liberdade rima com germanidade” (ADLER, 2007, p. 131). Ainda sobre esta questão, cabe assinalar que as conclusões de Losurdo se opõem àquelas de Young-Bruehl, para quem “Jaspers não compartilhou o ‘sentimento de grandeza prussiana’ ou o ‘espírito militar’ de Weber, apesar de tudo, e depois da morte deste chegou à conclusão de que tanto o nacionalismo político como a mentalidade militar no terreno político eram sumamente perigosos para a Alemanha” (YOUNG-BRUEHL, 2006, p. 134). Para essas informações, a biógrafa de Arendt se baseou na Autobiografia filosófica de Jaspers, publicada em 1967; enquanto Losurdo, para as suas, em textos e correspondências de Jaspers escritos na própria época dos acontecimentos.
[4] Note-se que não estamos aqui denunciando Jaspers como nazista, mas apenas apontando a presença de elementos conceituais similares entre seu pensamento e o dos nazistas, pois, com suas muitas diferenças, ambos nutrem-se da Kriegsideologie.
[5] Sobre esse e outros aspectos de sua filosofia, Jaspers foi bastante influenciado por Max Weber. Segundo Young-Bruehl, “à medida que Jaspers adentrava na filosofia, a pedra angular de sua técnica de pensamento foi o método que aprendeu em suas conversas com o sociólogo Max Weber”. Mesmo após enveredar pelos caminhos de sua própria filosofia, em sua obra Filosofia, “a presença de seu amigo e mentor é evidente em cada página (...) e vai mais além de uma mera influência intelectual, constituindo um exemplo humano. Quando, em 1920, Max Weber morreu, Jaspers recordava, ‘sentia como se o mundo houvesse mudado. O grande homem que, em minha opinião, o havia justificado e animado já não estava entre nós’” (YOUNG-BRUEHL, 2006, pp. 127-8).
[6] Essas críticas, inclusive, foram retomadas por Arendt.
[7] “Não se pode moldar o destino a fórmulas ideais.” (JASPERS, 1968, p. 169)
[8] “O conhecimento do homem cessa, ao alcançar, face ao transcendente, os seus próprios limites.” (JASPERS, 1968, p. 251)
[9] Como demonstraram as Revoluções de 1919 e 1923 na Alemanha.
[10] Nos anos 1930, lembra Losurdo, “‘totalitário’ ou ‘totalitarismo’ não eram termos gratos aos representantes e ideólogos do III Reich que, em suma, os utilizavam para designar polemicamente a União Soviética” (2003, p. 199).
[11] Segundo Jaspers, “o marxismo, a psicanálise e a teoria das raças são hoje em dia a mais espalhada camuflagem do homem (...). Os mais relevantes, todavia, são os juízos particulares enunciados pelo marxismo” (JASPERS, 1968, pp. 242-3). Ou ainda, numa outra versão: “psicanálise e marxismo não passam de caricaturas de filosofia (...) o marxismo, a psicanálise e o racismo (...) são – desde o momento em que perdem o caráter científico para se tornarem concepções do mundo – os três grandes adversários espirituais do homem de nossa época” (JASPERS, 1971, p. 92). Portanto, o marxismo, que Jaspers identifica como o cerne da sociologia, deveria restringir-se a uma análise científica e deixar o caminho livre à filosofia, pois somente “o conhecimento [Einsicht] filosófico pode nos liberar da prisão neste mundo” (JASPERS, 1971, p. 41). Não é casual, portanto, que, ao recuperar essa ideia, Arendt tenha considerado Marx o “pai do método sociológico” (ARENDT, 2008, p. 394).
[12] “Se pode caracterizar o comunismo, em sua diferença com o socialismo, como a absolutização de tendências verdadeiras em princípio.” (JASPERS, 1965, p. 245)
[13] “Quando o homem crê abarcar o todo, em lugar de perseguir no mundo os fins concretos alcançáveis, se converte, por assim dizê-lo, em Deus. Perde a relação com a transcendência, coloca-se antolhos, em virtude dos quais perde a experiência da origem e fundamento das coisas em favor de uma aparência: o mero movimento do mundo, o estabelecimento da justa organização do mundo para sempre.” (JASPERS, 1965, p. 249) Nessa visão demiúrgica há uma crítica velada ao marxismo, crítica que sua mais conhecida discípula incorporou às próprias ideias filosóficas e políticas.
[14] Sob esse aspecto, assim como muitos outros pensadores de sua época, Jaspers atribui à técnica (ao controle racional das ações incidentes sobre o objeto) uma das fontes do anseio por uma “planificação total” da sociedade. Diz ele: “é como se o homem que planeja pudesse ver ao homem com plena sapiência, como se quisesse produzi-lo à maneira que o artista extrai do material dado sua obra de arte; uma petulância em que o homem se coloca sobre o homem” (JASPERS, 1965, p. 244). Ou ainda, anteriormente: “é a superstição científica de um poder fazer universal o que impulsiona pelo caminho da planificação total” (JASPERS, 1965, p. 240).
[15] “O erro da concepção total fica patente no pensamento monocausal.” (JASPERS, 1965, p. 242) Crítica de Weber a Marx, recuperada por Jaspers e, envolta na crítica à ideologia, anunciada por Arendt sob a denominação de “chave explicativa” da história.
[16] Em suas palavras, “Marx não é a sociologia. Freud não é a psicologia” (JASPERS, 1971, p. 91). Ou, então, sobre o papel da técnica na revolução de nossas formas de viver desde fins do século XVIII: “Karl Marx foi o primeiro a reconhecê-lo em grande escala” (JASPERS, 1965, p. 134).
[17] De acordo com Lukács, referindo-se às filosofias burguesas do período imperialista: nelas, “não são construções utópicas que faltam, visando à transformação da cultura, mesmo pelos meios revolucionários, (...) mas a intangibilidade da base social e econômica do capitalismo é sempre respeitada” (LUKÁCS, 1979a, p. 39). No caso de Jaspers, até mesmo as exigências democrático-burguesas, no que elas têm de mais progressista, são praticamente inaceitáveis. Por exemplo, tratando da igualdade, ele afirma: “a noção de igualdade, na medida em que se afasta da sua possibilidade original, concebida metafisicamente, e propende para o simples existir de fato, torna-se inautêntica, sendo, por isso, quase sempre, tacitamente recusada” (JASPERS, 1968, p. 302). Para quem, especificamente, ela “torna-se inautêntica” e quem a recusa Jaspers não diz, como se o reconhecimento da inautenticidade e a recusa fossem efetuados pelo próprio “homem”, e não pelos homens de uma ou mais classes sociais historicamente determinadas.
[18] Lukács tem razão ao afirmar que, devido ao “total repúdio do valor de um conhecimento filosófico objetivo (...), Jaspers vai mais além do que todos seus predecessores pelo caminho de um relativismo radical da filosofia da vida” (LUKÁCS, 1959, p. 421).
[19] “Não há lugar para o definitivo conhecimento da essência do estado, nem mesmo como o de um monstro sob forma de estrutura legal. É, antes, a imensa, inextrincável teia da atividade e da vontade humanas nas suas situações concretas inseridas no seu processo.
[20] Em diversos momentos, Jaspers insiste em afirmar a existência de mistérios para o homem. Entenda-se: não se trata de mistérios que, pelo nosso nível de desenvolvimento cognitivo e material, ainda não conseguimos desvendar, mas que, de qualquer modo, são abertos ao desvendamento racional. Ao contrário, em suas reflexões, os mistérios são entendidos como elementos da história e do Ser que, em razão de sua natureza, são insondáveis à cognição humana. Um exemplo: “a palavra transforma-se e, no entanto, é o misterioso elemento com que o ser humano autêntico tateia no tempo” (JASPERS, 1968, p. 304). Outro: “o primeiro estágio da história foi de liberdade apolítica, viva (...). Como se teria originado essa liberdade ainda inconsciente de si mesma é mistério incompreensível” (JASPERS, 1971, p. 70). E mais um: “porque se tem produzido a nova ciência [isto é, a ciência moderna] é uma coisa que, por acaso, pode-se iluminar sob diversos pontos de vista, mas que, em última instância, não pode ser explicado. Como tudo o que é espiritualmente criado, pertence ao mistério da história” (JASPERS, 1965, p. 122).
[21] De acordo com Lukács, o irracionalismo “converte o problema mesmo em solução, proclamando a suposta impossibilidade de princípio de resolver o problema como uma forma superior de compreender o mundo em solução”, esse é o seu “traço característico decisivo” (LUKÁCS, 1959, p. 83). Uma clara inversão irracionalista do problema em solução pode ser encontrada, em Arendt (1972; 2008), na negação da causalidade na história.
[22] De acordo com a esclarecedora explicação de Hersch, “quando ele [Jaspers] fala de limite, não se trata nunca de um limite provisório, suscetível de ser transposto. O termo possui para ele um valor definitivo: todo o limite merecedor de tal nome é essencial para a condição humana, pois determina a estrutura; é, por definição, intransponível. Em compensação, todo limite implica a ideia daquilo de que separa, do que fica mais além (...).Um obstáculo humanamente definitivo, implicando aquilo que impede de alcançar, oposto a uma subjetividade que o desejaria transpor, tal é o limite em Jaspers. Limite é o lugar de um malogro. Fracassa aí a existência. Mas, no fracasso, ela distingue o que está mais além do limite: a transcendência” (1982, p. 22).
[23] Em certos casos, inclusive, sua referência à guerra e sua capacidade de despertar as mais elevadas virtudes humanas é explícita. Diz ele: “ao indivíduo abandonado ao seu próprio vazio resta, por ora, como puro primeiro passo, um compromisso real com o outro, numa base de fidelidade. As comoventes notícias acerca de como, no fim da guerra, em frentes de combate movendo-se em retirada, soldados alemães resistiram dispersos, tendo-se por indivíduos numa atitude de autoafirmação e de autossacrifício, conseguindo o que nenhuma ordem de comando adregara conseguir, a saber, a desesperada tentativa de subtrair à completa destruição a sua terra natal mesmo nos últimos momentos, e de apagar na memória dos alemães a consciência de uma inexpugnabilidade, manifestam uma realidade, noutras circunstâncias, a bem dizer, inatingível como símbolo das virtudes do presente, símbolo de um ser humano que, perante o nada, na sua queda vertical, não podendo realizar o seu mundo como tal, se aposta a concretizar as exigências do futuro” (JASPERS, 1968, pp. 306-7).
[24] “Temos que afirmar a angústia. Ela é uma base para a esperança.” (JASPERS, 1965, p. 198)
[25] Para ele, “enquanto não experimentou a sensação de ver-se soterrado e não optou por ‘passar além’, em direção à transcendência, o homem não é verdadeiramente ele próprio” (JASPERS, 1971, p. 53). É esclarecedor notar que, com essa exaltação, Jaspers comporta- se de modo muito distinto daqueles pensadores do período da ascensão burguesa, que, sem jamais exaltá-las, apenas as compreendem como situações integrantes do curso da existência, como demonstra a seguinte afirmação de Spinoza: “o homem livre pensa muito mais em qualquer outra coisa do que na morte; sua sabedoria é meditação não sobre a morte, mas sobre a vida.” (SPINOZA apud LUKÁCS, 1979a, p. 87) Ou seja, ao contrário de Jaspers, não era o pessimismo – e nem o cândido otimismo –, mas o otimismo crítico que permeava as ideias dos filósofos do período da ascensão burguesa e, também, daqueles que, há quase dois séculos, vêm ao encontro dos impulsos objetivos das forças revolucionárias do trabalho.
[26] Em suas próprias palavras, “o sentido da atividade filosófica é, hoje em dia, o de assegurar, por meios próprios, uma fé independente” (JASPERS, 1968, p. 219).
[27] “O abrangente, que aflora na manifestação da dicotomia, não é nem sujeito, nem objeto. À sua captação denominamos conhecimento fundamental, distinguindo-o do conhecimento da natureza e do conhecimento da história.” (JASPERS, 1971, p. 45)
[28] Para o marxismo, como se sabe, essa reprodução conceitual jamais implica conhecimento absoluto do concreto.
[29] Tanto que, em sua análise da produção artística, o desprezo jasperiano pela elaboração conceitual explicita-se numa frase exemplar acerca do romance: “procurar alcançar a realidade à maneira realista é devorar em si próprio o arrojo de tentá-lo”. Em contraposição, “a arte no passado, plástica, musical ou poética, assumia o homem na sua totalidade, de modo que, por ela, se atualizava ele na sua transcendência” (JASPERS, 1968, pp. 201; 200). Ou seja, as artes aparentemente “mais intuitivas”, não-racionais, permitiriam um acesso ao divino que o romance, à sua maneira realista, não proporciona. Encontra-se aqui, então, um claro paralelo com o valor atribuído por Heidegger à poesia.
[30] Por seu turno, “a indecisão torna-se forma de apaziguamento, fomentado pelo interesse geral das estruturas da existência”. Na condição de ser indeciso, o homem é inautêntico. E mesmo que decida, “a decisão só é absoluta ao nível do destino pessoal e parece sempre relativa quanto ao destino do gigantesco mecanismo do mundo atual” (JASPERS, 1968, p. 269). Ocorre, porém, que “o homem não pode desistir de si próprio. Como potência de liberdade ele é, ou a autêntica conversão dela, ou a sua inversão em que nunca encontrará a paz”, pois “o instinto vital reclama, embora no nada, permanecer si-próprio” (JASPERS, 1968, pp. 257-9). Por conseguinte, vê-se como um irracional “instinto vital” e uma “decisão”– isto é, um “elemento subjetivo” – constituem o fundamento da autenticidade do indivíduo num mundo que, carcomido pela técnica e pelas massas, é profundamente inautêntico.
[31] Para Jaspers, “a independência absoluta é impossível. No pensamento, dependemos da intuição, que tem que ser-nos dada” (JASPERS, 1991, p. 95). Com clareza, Hersch explica assim esta intuição jasperiana: “a existência situada, aplicando-se a uma ‘leitura’ verdadeira, receberá da escrita cifrada uma instância absoluta, incondicionada. Esta leitura, diz Jaspers, é ‘ação interior’ [‘inneres Handeln’], um processo pelo qual cada um decide o que quer ser e se torna ele mesmo, e que é, ao mesmo tempo, escuta da transcendência” (HERSCH, 1982, p. 28).
[32] Nesse sentido, cabe um reconhecimento a Kant que, apesar das antinomias em que se enredou, “à diferença de seus contemporâneos e sucessores reacionários, ele não quer fazer com que a finalidade desemboque aberta e diretamente na teologia” (LUKÁCS, 1970, p. 17).
[33] “Não se trata hoje já de uma aristocracia sob a forma do primado de uma minoria na qualidade de privilegiada hereditariamente pelo poder, bens, educação ou realização de um ideal cultural, camada social posta à testa dos homens comuns, tendo-se tida por comunidade dos melhores (...). O problema da nobreza humana é, hoje, o de salvar a ação dos melhores que são em menor número (...). Os melhores do ponto de vista da nobreza do homem (...), os que são eles próprios diferentes, pois, daqueles que, no fundo, sentem apenas o vazio, nada conhecem salvo o que lhes é peculiar e fogem a si próprios (...). Começa nos nossos dias a última campanha contra a nobreza, dirigida não só no campo político ou sociológico, mas nas próprias almas. Querer-se-ia anular certo desenvolvimento (...), o da personalidade. A seriedade do problema (...) conduz à revolta do plebeísmo existencial por parte de cada um de nós contra o ser-si-próprio que a divindade misteriosamente nos exige (...). Esta revolta visa a destruir a nobreza do homem (...) levada a cabo, destroçará a humanidade nas suas próprias bases (JASPERS, 1968, pp. 293-6).
[34] Segundo Jaspers, “como ‘existências’, estamos em relação com Deus – a transcendência – mediante a linguagem das coisas, que a transcendência converte em cifras ou símbolos” (JASPERS, 1991, p. 28). Ou ainda, nas palavras esclarecedoras de Hersch: “se autêntica, esta linguagem cifrada não se deixa ‘traduzir’ em ‘linguagem ordinária’: isso equivaleria a separar o símbolo do simbolizado” (1982, p. 28).
[35] Em tons heideggerianos, Jaspers, ao tratar das dificuldades enfrentadas pelo indivíduo disperso na vida cotidiana, com seus afazeres e distrações, para dedicar-se à criação espiritual, atesta: “reencontrar-se a partir da dispersão exige força, a bem dizer, sobre- humana (...). Porque a nobreza só existe no voo em que o ser como tal se realiza, não pode, só por si, predicar-se. Não é, pois, uma categoria em que alguém possa inscrever ou não, mas o próprio homem ao nível das suas possibilidades de promoção. Dado que o indivíduo tende a achar satisfação no puro e simples existir, a força impulsiva da promoção só em poucos existe e, assim mesmo, nunca definitiva” (JASPERS, 1968, pp. 197; 302). Tal afirmação vem ao encontro daquilo que Lukács identificou já no velho Schelling: “ao novo irracionalismo se incorpora, assim, um motivo gnosiológico tomado da maioria das concepções religiosas do mundo, sob uma forma burguesa e laica: o conhecimento da divindade se acha reservado aos eleitos por Deus” (LUKÁCS, 1959, p. 120).
[36] Para o entendimento desse transtorno, lembremos que, para Jaspers, a Igreja é a fiadora dos valores espirituais e da liberdade. Em seus próprios termos, “a tensão entre liberdade e autoridade é tal que uma não pode subsistir sem a outra; se assim não fosse, de resto, cairia a liberdade no caos, e no despotismo a autoridade. Por isso o ser-si-próprio exige os poderes conservadores contra que se opõe, a fim de se realizar como indivíduo. Exige a tradição que só adquire existência duradoura quanto aos valores espirituais sob a forma de autoridade. Embora a Igreja não radique, no fundo, em valores de liberdade é, contudo, condição de existência da liberdade que a si mesma se produz. Conserva a dimensão espiritual, o sentido da inexorabilidade do real em face do transcendente, a profundidade das exigências impostas ao homem (...). Sem a religião nascida na tradição eclesiástica desaparecerá do mundo o ser-si-próprio e na ausência deste, como adversário e incentivo, uma verdadeira religião” (JASPERS, 1968, pp. 293; 323).
[37] Com variações que, para aquilo que estamos tratando, são de pouca relevância, podemos dizer que essa crítica ao progresso constitui uma característica, dentre tantos outros, das filosofias de Heidegger, Jaspers e Arendt. Aliás, para esta, o progresso é um “mito” (ARENDT, 2008, p. 225). Isso ocorre porque, fundados numa visão idealista subjetiva, o critério por meio do qual avaliam progresso ou declínio é sempre arbitrário e relativista.
[38] “Só a memória como integração é suscetível de criar a realidade do ser-si-próprio do homem atual.” A salvação do homem exige, portanto, sua “recriação consequente forjada na memória do passado a partir da sua própria origem” (JASPERS, 1968, pp. 186; 305).
[39] Em termos muito semelhantes àqueles utilizados por Heidegger para a exaltação do enraizamento do destino individual – mas não na comunidade, no povo, e sim no estado –, Jaspers assevera que “a verdade (...) que, na sua essência, institui a comunidade, é afinal uma fé histórica que nunca poderá ser a de todos. A verdade de um juízo razoável é única para todos, mas a verdade do que seja o próprio homem, e que a sua fé lhe manifesta, separa os homens (...). A unidade do todo só é abrangível como perspectiva unitária relativa a um estado concreto, o espírito como vida ligada ao seu sedimento original, o homem como entidade única e insubstituível”. Daí que “a vontade histórica [do indivíduo] só poderá efetivar-se numa identificação com o seu estado. Ninguém abandona, sem dano, o seu país. No caso de a tal ser forçado, não perde, com efeito, a possibilidade de ser ele próprio, tampouco a sua consciência de destino, mas sim a plenitude de uma participação na totalidade como fundamento seu e seu mundo autêntico” (JASPERS, 1968, pp. 130; 145).
[40] “A Antiguidade deu origem, de fato, ao que, no Ocidente, o homem é suscetível de se tornar (...). Todos os grandes movimentos impulsionadores da cultura ocidental tiveram lugar num novo contato ou uma nova ruptura com a Antiguidade. Onde quer que ela seja esquecida, abrem-se as portas à barbárie (...). O nosso fundamento, embora sempre diverso, é a Antiguidade e só em segunda linha, e sem energia formativa, autônoma, o passado do respectivo país. Somos ocidentais no sentido de pertencermos a uma nação que é o que é ou se tornou por um fenômeno de metabolismo original da Antiguidade.” (JASPERS, 1968, p. 179)
[41] Lukács afirma que, “em Jaspers, palpita um ódio verdadeiramente zoológico contra as massas, um medo pavoroso ante elas, ante a democracia e o socialismo” (LUKÁCS, 1959, p. 424).
[42] Como o maquinismo nivela a todos, “a estrutura política deste aparato de produção torna-se necessariamente uma democracia sob uma ou outra forma” (JASPERS, 1968, p. 53). Mas isso não é propriamente uma virtude histórica, pois, com isso, “o estado se coloca ao serviço da organização das massas, perdendo qualquer relação com o destino autêntico”. Quando isso ocorre, “impõe-se ao homem, como ser-em-si, opor-se, intimamente, ao próprio estado” (JASPERS, 1968, p. 175).
[43] Nesse aspecto, assim como o credo na excepcionalidade inglesa e estadunidense, o entusiasmo de Jaspers por essas democracias é amplamente compartilhado por Arendt, que considera seus regimes políticos as únicas democracias modernas bem-sucedidas e, portanto, as mais protegidas contra a ameaça do totalitarismo. “Onde ainda existem e funcionam sociedades e corpos políticos livres, e razoavelmente a salvo de um perigo imediato – e onde funcionam, a não ser nos Estados Unidos e talvez na Grã-Bretanha? –, devem sua existência aos hábitos, costumes e instituições formados num grande passado e cultivados ao longo de uma grande tradição.” (ARENDT, 2008, p. 306) Não deveria, aqui, se perguntar qual a relação disto com o pujante desenvolvimento do capitalismo industrial, o deslocamento das contradições por meio do imperialismo, o relativo isolamento geográfico ante as outras potências, a relativa fragilidade – por conta disto – dos movimentos socialistas, dentre tantos outros fatores? Ocorre que, dado o fundamento idealista de sua filosofia, a resposta para essas excepcionalidades só pode ser encontrada nas esferas da consciência e da política.
[44] “São as minorias que escrevem a história (...). Só exclusivas minorias, na consciência de sua nobreza, sob o nome de vanguarda ou progressismo, voluntarismo ou partidarismo, ou sob a forma de primazia de sangue historicamente herdado, são capazes de unir-se, a fim de, por esse meio, assumirem o poder do estado.” (JASPERS, 1968, p. 300)
[45] Para Arendt, por exemplo, que identifica comunismo e totalitarismo, a democracia – que em momento algum é qualificada como burguesa – é o grande baluarte político que protege o mundo livre contra o comunismo. E mais, para ela, a grande divisão que havia no mundo durante o período da guerra fria não era entre formações sociais distintas, mas entre totalitarismo e mundo livre.
[46] Eis, aqui, um explícito ponto de convergência com as ideias de Heidegger.
[47] “À nobreza do ser humano pode chamar-se, outrossim, vida filosófica. O homem enobrece-se ao situar-se na verdade de uma fé.” (JASPERS, 1968, p. 303)
= = =
Referências bibliográficas
ADLER, L. Nos passos de Hannah Arendt. São Paulo: Record, 2007.
ARENDT, H. Compreender: formação, exílio e totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 2008.
BIEMEL, W.; SANER, H. (Org.). The Heidegger-Jaspers correspondence (1920-1963). Nova York: Humanity Books, 2003.
COURTINE-DÉNAMY, S. Hannah Arendt. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
DUARTE, A. O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
HERSCH, J. Karl Jaspers. Brasília: Editora da UnB, 1982.
HOLZAPFEL, C. La “comunidad de lucha” Jaspers-Heidegger: auge y caída de una amistad. Revista de filosofía, Santiago, Editorial Sudamericana, 2007.
JASPERS, K. Razão e anti-razão em nosso tempo. Rio de Janeiro: MEC, 1958.
______. Origen y meta de la historia. Madri: Revista de Occidente, 1965.
______. A situação espiritual de nosso tempo. São Paulo: Moraes Editores, 1968.
______. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971.
______. La filosofia. México: Fondo de Cultura Económica, 1991.
LOSURDO, D. La comunidad, la muerte, Occidente: Heidegger y la “ideología de la guerra”. Buenos Aires: Losada, 2003.
LUKÁCS, G. El asalto a la razón: la trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler. México: Fondo de Cultura Económica, 1959.
______. Introdução a uma estética marxista: sobre a particularidade como categoria da estética. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
______. Existencialismo ou marxismo? São Paulo: Ciências Humanas, 1979a.
______. A falsa e a verdadeira ontologia de Hegel. São Paulo: Ciências Humanas, 1979b.
SAFRANSKI, R. Heidegger: um mestre da Alemanha. São Paulo: Geração Editorial, 2000.
YOUNG-BRUEHL, E. Hannah Arendt: una biografía. Barcelona: Paidós, 2006.
= = =
Resumo: Nas primeiras décadas do século XX, sob o influxo da fenomenologia e da revalorização do existencialismo kierkegaardiano, Karl Jaspers produziu uma obra influente em diversos campos do conhecimento: filosofia, psicologia e política. Em sua avaliação desta obra, Lukács a inscreveu na grande vertente filosófica do moderno irracionalismo alemão, que, na teoria e na prática, atingiu seu ponto culminante no regime de Hitler. Neste artigo, objetiva-se analisar a controversa relação de Jaspers com este regime, bem como algumas de suas ideias filosóficas e políticas convergentes com uma das principais fontes ideológicas deste: a Kriegsideologie. Portanto, avalia-se que, mesmo que esta não fosse a intenção de Jaspers, suas ideias contribuíram para o adensamento do ambiente sociocultural propício ao fortalecimento do irracionalismo filosófico e do conservadorismo político, ambos componentes fundamentais do nazismo.

Palavras-chave: Karl Jaspers; filosofia política; irracionalismo; conservadorismo

Karl Jaspers:
philosophical irrationalism and political conservatism

Abstract: In the first decades of the twentieth century, under the influence of phenomenology and Kierkegaard’s existentialism revaluation, Karl Jaspers produced an influential work in various fields of knowledge: philosophy, psychology and politics. In his assessment of this work, Lukacs entered in the great philosophical slope of modern German irrationalism, which, in theory and in practice, reached its culmination in Hitler's regime. This article aims to analyze the controversial Jaspers relationship with those arrangements as well as some of his philosophical and policies ideas that are convergent with a major ideological sources of this: the Kriegsideologie. Therefore, it is considered that even if this was not the intention of Jaspers, his ideas contributed to the consolidation of the socio-cultural environment conducive to strengthening the philosophical irrationalism and political conservatism, both key components of Nazism.

Keywords: Karl Jaspers; political philosophy; irrationalism; conservatism.
= = =
GASPAR, R. F. S. “Karl Jaspers: irracionalismo filosófico e conservadorismo político”. In: Verinotio. Ano XI, n. 22, out./2016, pp. 209-234.
= = =

Nenhum comentário:

Postar um comentário