
por Robert A. Gorman
A exigência política está agora submetida a um movimento heterogêneo, desprovido de lideranças, usualmente chamado de Nova Esquerda. Um conjunto social de ativistas jovens, bem instruídos, predominantemente de classe média, que querem do marxismo apenas a ação concreta e imediata. A “velha esquerda” assemelha-se a uma galeria de estrelas intelectuais velhacas. No conjunto, demasiado tempo e esforço se foi em teoria radical, enquanto gerações de trabalhadores oprimidos vêm e vão. No caso de raça, onde a teoria de fato coalesceu com a prática revolucionária, a hegemonia burguesa transformou-se em ditadura partidária. Da perspectiva das massas, é fútil formular e justificar interminavelmente teoria revolucionária. Embora a Escola de Frankfurt tenha admitido abertamente a flagrante hipocrisia do neomarxismo [protomarxismo], sua “solução” capitulou com o capitalismo ao justificar teoricamente a passividade. O marxismo frankfurtiano refletiu um século de filosofia marxista, retratando piedosamente a dominação burguesa e encarando amedrontada o poder dormente da classe trabalhadora. O novo esquerdismo soa o alarme revolucionário. Ele é tático, não teórico, mobilizando os oprimidos e instituindo estratégias até agora apenas descritas em livros.
O novo esquerdismo busca apenas a transformação revolucionária do capitalismo. Uma vez que revolução é prática, teoria é claramente uma derivação. O autêntico marxismo instiga insurreições e apenas a posteriori desenvolve teorias explicando o que se sucedeu. “O fator importante, pois, é a forma concreta que o movimento real irá assumir. Se ela confirmar aquilo que este reivindica pra si enquanto conceito, então, em verdade, a teoria é verdadeiramente uma teoria revolucionária. Se, por outro lado, ela for invalidada, a teoria é rebaixada ao nível de uma ideologia, ou utopia...”. Teoria é uma reflexão posterior, um epifenômeno condicionado pela práxis. Ela é aberta, inacabada e relativista — e atrelada aos movimentos revolucionários exitosos. Apenas ideias estrategicamente úteis são “verdadeiras”: “consciência revolucionária é produto da luta”[1].
O novo esquerdismo é, portanto, definido pelas exigências da luta proletária, mudando, pois, na medida em que mudam as circunstâncias. Três princípios amplos explicam, contudo, o novo esquerdismo, embora nem todos os novos esquerdistas em todas as circunstâncias aderem a eles individual ou coletivamente.
Primeiro: uma vez que a revolução é autojustificável, ela pode ocorrer quando e onde um grupo adequadamente organizado destrua as instituições e elites existentes. Por exemplo, o fascínio da Nova Esquerda europeia e americana com revolucionários de sucesso do Terceiro Mundo, tais como Che Guevara, Regis Debray, Frantz Fanon e Mao Tse-tung. Estes heróis não travaram, em batalha, debate intelectual de qualidade sobre justiça pós-revolucionária. Revoluções exitosas respondem todos os problemas hipotéticos sobre os quais o marxismo tradicionalmente especula sobre.
Segundo: revoluções transformam por completo toda a rede de valores e relações burguesas. A dominação capitalista é reforçada por tudo, de comerciais de televisão a condições de trabalho, política eleitoral e religião organizada. O reformismo, separando níveis sociais e operando pouco a pouco para modifica-los um a um individualmente, desconsidera a multidimensionalidade do capitalismo. Historicamente, o reformismo tem mudado governantes e leis, não a qualidade da exploração capitalista, portanto é “incorreto”. Mudança social significativa ocorre simultaneamente em todos os níveis sociais ou não sobrevive em nenhum deles. A revolução transforma não só uma economia exploradora, mas todas as facetas da moralidade burguesa, inclusive atitudes acerca de sexo, drogas, educação, relações interpessoais e familiares, e de trabalho. Este último fenômeno é particularmente importante porque ele alicerça as relações produtivas capitalistas. A ética burguesa do “trabalho” — disciplina, honestidade, frugalidade e indulgência — geram a alienação do trabalhador. O culto do trabalho é uma invenção burguesa. Revolucionários o substituem por atividades realizadoras, satisfatórias, parecidas com o que capitalistas podem nomear “divertimento”. Obviamente tais ações irreprimidas irão alterar substantivamente fábricas, bem como toda a abordagem social acerca da produção e da distribuição. Embora o futuro pós-revolucionário seja indeterminado, novas instituições de cooperação surgirão concomitante o falecimento do capitalismo. Muitos novos esquerdistas advogam o comunalismo como uma forma social oposta ao capitalismo, emancipada, substituindo a ética de trabalho decadente pelo prazer, a cooperação e o amor[2].
Finalmente: homens e mulheres devem determinar seus próprios destinos. Revoluções exitosas são explosões espontâneas de vontade reflexiva liberada, completamente encampada por participantes livres e iguais. A história tem provado que partidos revolucionários hegemônicos escravizam, ao invés de libertarem, isto é, são não revolucionários e “falsos”. O materialismo ortodoxo, a “velha esquerda”, é o equivalente radical do idealismo burguês: ambos intelectualmente racionalizados e elites exploradoras. A ortodoxia não tem claros objetivos para além da industrialização e do suporte à hegemonia soviética no mundo, nenhum destes sendo uma via revolucionária. Portanto, o “aparato conceitual do marxismo” não mais dá conta das necessidades dos povos oprimidos[3]. O manto da emancipação humana, primeiramente carregado por Marx, “não é mais carregado pelo marxismo-leninismo organizado”[4]. As rebeliões de trabalhadores manifestam-se hoje em greves espontâneas, não supervisionadas, sem dirigentes e extraoficiais, reivindicando melhorias qualitativas nas condições de trabalho e de vida, e não apenas maiores salários. Estas “greves contestatórias” rejeitavam diferenciais salariais, autoridades hierárquicas e sindicalismo, e advogavam a autogestão dos trabalhadores. Não trabalhadores, em particular estudantes — únicos em termos de serem, simultaneamente, vítimas e observadores críticos — engajaram-se em confrontos de rua sem lideranças contra as forças hegemônicas, incluindo a polícia, o governo e grandes empresas. Estes ocorridos reforçam a espontaneidade, liberdade e o autodirecionamento, qualidades que uma revolução exitosa requer. A sociedade pós-revolucionária instituirá alguma forma de democracia participativa baseada na dignidade humana e na autoestima, onde os atores “fazem suas próprias coisas” sem explorar seus vizinhos.
Embora a teoria da Nova Esquerda rejeite teoria em sentido estrito, suas táticas são geradas a partir de acepções marxistas bastante familiares, no que concerne à exploração capitalista, alienação e a desejabilidade pelo socialismo. A crença implícita na subjetividade livre, portanto na autonomia da superestrutura, remonta ao marxismo experiencial. Vinte anos antes do novo esquerdismo, Sartre advogou a substituição do trabalho produtivo disciplinado pela livre criação artística. A dialética hegeliana de Lukács descreve a revolução total como a autêntica resposta da história aos tentáculos interpenetrados hegemônicos do capitalismo. A crítica “inovadora” do novo esquerdismo sobre a vida cotidiana — seus valores opressivos, crenças, costumes, instituições — já havia sido estabelecida por Horkheimer e Adorno em vosso Dialética do esclarecimento. As análises da repressão sexual capitalista feitas por Reich e Marcuse energizaram a obsessão da Nova Esquerda com a violação dos tabus sexuais burgueses. O comunismo conselhista de Pannekoek é o modelo por eles adotado para a autogestão espontânea dos trabalhadores. Em resumo, as origens teóricas desconhecidas da Nova Esquerda são vastas, abarcando também fenômenos não marxistas, como direitos civis, direitos homossexuais, movimentos antiguerra, utopismo, anarquismo, dadaísmo, surrealismo. O ponto, todavia, é o ecletismo a-intelectual do novo esquerdismo, a sua mistura negligente de princípios antipódicos para compor um efetivo, embora irracional, estimulante revolucionário. Contradições ignoradas, não resolvidas, surgem do acoplamento simplista deles entre autonomia subjetiva (por exemplo, “faça suas próprias coisas”) e arranjos sociais cooperativos, para assumir otimistamente que ativistas amorais — e táticas baseadas somente na conveniência política, diversas vezes incluindo ataques físicos brutais — irão estabelecer comunidades pós-revolucionárias sustentadas na dignidade humana. Pode a sociedade realisticamente confiar em indivíduos que, não reflexivamente, descartam ética e epistemologia e advogam qualquer ação concebível — independente das consequências — que percebam como taticamente útil?
Em um sentido real, portanto, o novo esquerdismo é herdeiro de uma tradição revolucionária não-racional, mística, que inclui Georges Sorel e os filósofos da “Arguments”.
Sorel
Georges Sorel (1847-1922) acusava a filosofia iluminista racional e a ciência empírica de reduzir artificialmente a vida a categorias simples que são incapazes de compreender a “área escura” da humanidade: as forças subliminares da tradição, do sexo, da religião, da vontade e da nacionalidade, que permeiam a história humana[5]. O racionalismo, ingenuamente, acredita que a injustiça é erradicada com conhecimento empírico, legislação reformista e humanitarismo. Ao contrário, a vida é uma complexa totalidade de fenômenos internamente conectados. O conhecimento racional é mal ajustado a tal complexidade, involuntariamente gerando fraqueza e ignorância, não esclarecimento. Uma totalidade social complexa é compreendida não racionalmente, mas por meio do mito, isto é, em reconhecendo irracionalmente uma realidade dialética essencialmente irracional. O mito, e não o racionalismo burguês, é a base da autêntica investigação social. Por meio do mito experienciamos instintos primitivos inatos, extirpados dos sedimentos não míticos da história. O mito é, portanto, pessimista e crítico, repelindo fórmulas redutivas fáceis e negando o status quo racional. O mito, em outras palavras, é simultaneamente autêntico e revolucionário. Ou deixamos a sociedade intocada, vivendo em condições exploratórias “racionais”, ou aniquilamos sua totalidade em um asserto de autenticidade.
Sorel entendia o materialismo histórico de Marx nestes termos. Este explica de maneira pessimista a história humana e mobiliza uma classe trabalhadora crítica, revolucionária. Similarmente, este rejeita reformas ou reducionismo empírico, exortando o proletariado a desafiar e destruir o capitalismo. O marxismo é um mito porque postula uma complexa, irredutível, totalidade capitalista e inspira uma insurreição revolucionária. Além disso, este mito declara uma greve geral de trabalhadores, que destrói a civilização burguesa em nome da emancipação humana. O materialismo histórico não é de molde racional. Ainda que especule de maneira inconclusa sobre a cooperação socialista e a união coletiva, este é primordialmente negativo: glorificando rebelião, mais do que pintando uma utopia.
Esta mítica greve geral mobiliza trabalhadores em associações revolucionárias. Partidos de trabalhadores e sindicatos tradicionais inibem nossa intuição mítica revolucionária, portanto perpetuando a tirania racional. Associações revolucionárias de trabalhadores, por outro lado, organizam espontaneamente trabalhadores em times baseados em locais de trabalho, autogeridos, que subvertem as estruturas de autoridade burguesa. Estas inspiram seus membros a intuir o autêntico mito da revolução proletária subjetivamente, e subordinam as questões de prática econômica, social e política a este objetivo irracional. Associações revolucionárias, portanto, opõem-se às instituições burguesas, unem a classe trabalhadora contra um inimigo burguês comum, e geram formas sociais pós-revolucionárias de trabalhadores e agricultores autogovernados interagindo cooperativamente (lembrando o que Marx, em crítica a Proudhon, ironicamente chamou de “utopia pequeno-burguesa”).
A revolução proletária não busca nem poder nem o desaparecimento das classes. Ao contrário, ela purga a modernidade da opressão antinatural e inicia a liberdade direta da humanidade emancipada. Consequentemente, ela rejeita a ditadura de classe — mesmo a da maioria — e as burocracias governamentais debilitadas. O mito da greve geral é anti-intelectual, antiburguês, anti-hieraquico; sua única tática é o êxito. Esta não segue fórmulas teóricas nem obedece a esquemas táticos, e se torna violenta por razões práticas. Em aniquilando fisicamente o inimigo capitalista, os trabalhadores facilitam uma rápida transição à autogestão e rejuvelhecem os instintos pré-civilizados, irracionais, que organizarão a sociedade pós-revolucionária.
Sorel, como outros marxistas, advogava a guerra de classes, rejeitava o utopismo, advogava a abolição do estado e acreditava em revolução total. Mas também glorificava qualidades inatas, pré-burguesas, como heroísmo, grandeza, dignidade e autenticidade. Coerentemente, ele admirava e emulava antigos mártires cristãos e com isso — ilogicamente — respeitava muitas das tradições religiosas, sociais e sexuais da civilização ocidental. Ele acreditava em voluntarismo e liberdade autodeterminada, mas simultaneamente santificava um mito irracional que impulsionava a humanidade a um paroxismo revoltoso incontrolável. Ele era um materialista histórico que também advogava o anarcossindicalismo e a irracionalidade espontânea. Ele era um proletário revolucionário que citava simpaticamente Vico, Proudhon, Bergson, Nietzsche, Tocqueville, Taine, Renan e outros. Em suma, importava-se pouco com rigor teórico ou com a construção de sistemas intelectuais, pinçando e escolhendo ideias que mobilizassem os descontentes. Como um anticapitalista revolucionário que oportunisticamente nada disse ou fez — eventualmente apoiando até movimentos de inspiração fascista — ele foi o Pai Fundador espiritual do novo esquerdismo.
O grupo do “Arguments”
Uma influência mais imediata do novo esquerdismo são a filosofia e a teoria social associadas com diversos jornais radicais populares pós-stalinistas, particularmente o Arguments[6]. Apesar de muito jornal deste ser filosoficamente medíocre, ele levanta questões importantes e oferta corajosas respostas. Constituído quase exclusivamente por marxistas ex-ortodoxos liberados após o descongelamento intelectual pós-stalinista, o grupo do Arguments detonou o stalinismo com críticas espinhosas e frouxos níveis filosóficos. Referiam-se ousadamente a Heidegger, Sartre, Freud, Picasso ou qualquer outra figura — marxista ou não — relevante à sua crítica. Seu trabalho é filosoficamente assistemático, vago e ambivalente, ainda que socialmente significativo, por legitimar — especialmente na França — diferentes tipos de teoria marxista. “O revisionismo francês [o movimento Arguments, por exemplo] foi consequência direta da destalinização , mas ao mesmo tempo era o trabalho daqueles que foram, certa vez, stalinistas. Portanto também o eram suas demandas (total revisão), e também suas limitações. O revisionismo não adicionou nada ao marxismo, mas... estava lá para legar sua própria contribuição à grande empreita da libertação filosófica”[7]. Esta audaciosa empreita também incluía traduções pioneiras de clássicos do marxismo hegeliano, como trabalhos de Labriola, Lukács, Korsch e Gramsci.
Os temas da Arguments refletem os interesses agrupados no jovem Marx e no marxismo idealista: a dialética subjetivamente inspirada, a sociedade como uma totalidade interpenetrada, a alienação como um fenômeno econômico e social, a significância social da percepção e da vontade subjetivas, e a autonomia da cultura. Contribuições substantivas nestas áreas foram mínimas. Todavia, em meramente reformular o marxismo contemporâneo em termos não ortodoxos, sua influência entre radicais franceses desiludidos foi impulsionada. A contribuição mais duradoura da Arguments à teoria social francesa foi uma crítica eclética do cotidiano. Embora não original, como todo o seu trabalho, o grupo da Arguments popularizou a crítica radical da desumanizante, porém atrativa, sociedade ocidental europeia do consumo. Similarmente, o conceito marxista de revolução é alargado para além da economia, rumo, fundamentalmente, à transformação dos sentimentos das pessoas, estilos de vida e relações sociais. A autenticidade demanda negar criticamente as pedras-de-toque burguesas referentes a trabalho, sexo, drogas, família, arte, governo etc. Assim os revolucionários marxistas são simultaneamente pensadores de vanguarda, preocupados com estética e aproveitando plenamente a vida, bem como instigadores de rebeliões. Diversão e arte negavam o capitalismo por gerar sentimentos de desinibida autoexpressão, autocontrole e autonomia, conclamando assim “uma civilização da diversão”[8]. Economicamente, traduz-se isso em trabalho autogerido e propriedade pública do aparato produtivo. Todavia, isso é socialismo com uma diferença: Fábricas serão estúdios de arte e os trabalhadores artistas livres descontraidamente manipulando máquinas. O aforismo “Não Trabalhe Nunca”, escrito por jovens radicais sobre paredes parisienses durante os anos 50 e 60, é certamente um chamado marxista peculiar às fileiras.
Infelizmente, a teoria social do grupo Arguments carece de base teórica sólida. Suas bizarras demandas pressupõem ilogicamente uma essência humana suprimida lutando para escapar do escravizamento capitalista, uma liberdade inerente autodeterminada e um antirreducionismo reflexivo. A teoria do grupo Arguments deve, pois, ao marxismo idealista, experimental e crítico, e também, em adição, à sua implícita crítica ortodoxa da economia política. Tais coisas não são nunca separadas ou ranqueadas, habilitando os escritores a enfatizar o que quer que achem momentaneamente útil. Teoricamente, eles negam a reputação da ortodoxia como a representante legítima do marxismo mais do que tentam estabelecer uma teoria social convincente. Do ponto de vista prático, eles conclamam cidadãos oprimidos – trabalhadores e não-trabalhadores – a rebelar-se. Em um ambiente pós-guerra anti-stalinista, talvez análises dramáticas, ilógicas, sejam consideradas táticas revolucionárias eficazes. De qualquer modo, o grupo do Arguments desempenhou um papel menor na evolução teórica do marxismo, popularizando velhas ideias mais do que criando novas. Mas seu desleixo teórico e suas ambições revolucionárias influenciaram o novo esquerdismo a abandonar inteiramente a pretensão filosófica. Uma crítica teórica popular, conquanto eclética e inconvincente, do cotidiano gerou o ativismo não-teórico da Nova Esquerda.
Ativismo da Nova Esquerda
Com o legado de Sorel e do grupo do Arguments, não é surpreendente ouvir novos esquerdistas condenarem literatura radical por desnecessariamente “argumentar” e “mentir”; “de qualquer modo... [isso] não faz muita diferença, apenas a experiência direta... [é] incontroversa”[9]. A revolução é um objetivo prático que não deve ser obscurecido por intelectualização desnecessária. As massas do capitalismo “não estão atreladas juntas por uma teoria abstrata da história, mas por um desgosto existencial”[10]. A ação revolucionária tem suas próprias consequências justificáveis – e elas, por si, abrangem a teoria revolucionária. “A revolução é um processo indefinido que não tem estágios que possam ser decompostos assim, um processo que não pode começar de uma demanda pelo socialismo, mas que leva a este inevitavelmente quando a vanguarda revolucionária sinceramente representa as classes exploradas”. O marxismo só é teoricamente válido quando as consequências da ação revolucionária substanciam-no. Doutro modo, este é um jogo intelectual calculado apenas para pacificar as massas. Note a confluência ilógica, mas calculada, na citação de Daniel Cohn-Bendit, de encantamento, sexo, violência, liberdade espontânea, egoísmo e revolução social:
“Agora, coloque seu casaco e vá ao cinema mais próximo. Olhe para o sexo amoroso insosso na tela. Este não é melhor na vida real? Faça sua cabeça para aprender a amar. Então, durante o intervalo, quando os primeiros anúncios subirem, pegue seus tomates, ou, se preferir, ovos e arremesse-os. Então saia para a rua e retire todos os últimos anúncios governamentais... então aja. Aja com outros, não por eles. Faça a revolução aqui e agora. Ela é sua”[11].
A veracidade desta declaração é seu potencial mobilizador. Uma vez que a audiência de Cohn-Bendit neste caso era predominantemente de jovens de classe média, educados e desiludidos, ele macaqueou seus únicos valores e desejos, que eram taticamente, não epistemologicamente, significativos. Como a revolução é autojustificada, o novo esquerdismo coleta todas as ideias estrategicamente úteis, neste caso incluindo retórica triste, sexy, dura e egoística. O intento é revolução, não integridade intelectual ou moral.
A fatuidade intelectual do novo esquerdismo obscurece, com frequência, reais motivos. Originalmente os novos esquerdistas eram revolucionários, mas suas táticas flexíveis e discursos não dogmáticos atraíram uma variedade heterogênea daquilo que Weinstein chamava “ativistas de grupos de interesse”, pessoas que apoiam atividades sociais como realizar greves, marchas, protestos, boicotes e ocupações não pelo seu valor revolucionário, mas como meios úteis de reforma das desigualdades sociais[12]. Particularmente na América, com sua tradição liberal monolítica, novos esquerdistas “revolucionários” são, com frequência, companheiros de viagem laborando para trocar pessoas em cargos oficiais, mudar a lei ou estabelecer direitos e liberdades liberais àqueles não atuantes politicamente. Seus objetivos deixam o capitalismo intocado, portanto neste sentido eles estão usando o, bem como sendo usados por, autêntico novo esquerdismo. Este é um casamento de conveniência entre um parceiro desapercebido de seu próprio viés liberal, e um outro indisposto para discutir tal bobagem esotérica. O novo esquerdismo é, portanto, transformado, na prática, em um nebuloso, desfocado, movimento social, abarcando ativistas liberais assim como intrépidos revolucionários que rejeitam inteiramente o liberalismo. Como resultado, muito do radicalismo contemporâneo da Nova Esquerda europeia e, em especial, americana é não-revolucionário, mesmo que alguns dos novos esquerdistas sejam certamente revolucionários. Assim, um marxista justificadamente argumentou que o novo esquerdismo “revolucionário” “encapsula a política radical dentro das categorias do pragmatismo e de outras formas de pensamento positivista... [seu objetivo é] a transformação do conteúdo da vida social ainda retendo suas formas ideológicas e institucionais”[13].
Em subsumindo a teoria à prática, o novo esquerdismo recebe, ao mesmo tempo, mais e menos do que aquilo por que advoga. Os turbulentos anos 60, com seus movimentos de protesto, sublevações e violência civil, foram, ao menos parcialmente, condicionados por ativistas da Nova Esquerda, que organizaram e lideraram muitos jovens nas ruas de Paris, Nova Iorque, Washington e Berkeley. Novos esquerdistas sentiam que teoria inibe ação significativa. E ação foi o que tiveram, na maioria entre grupos sociais de elite e em áreas não urbanas que nem mesmo eles poderiam antecipar. O novo esquerdismo foi um sucesso. Mas sua popularidade entre as pessoas insatisfeitas se devia ao seu anti-intelectualismo, seus princípios antidogmáticos que — dentro da velha esquerda — haviam aterrorizado vários dissidentes não-revolucionários. Recebendo qualquer pessoa disposta a perturbar o status quo, o novo esquerdismo transformou-se a si mesmo em um movimento ativista não-revolucionário, composto de tal improvável combinação de camaradas, como hippies, ecologistas, estudantes, maconheiros, naturalistas primitivistas, vegetarianos, ativistas negros, feministas, artistas de vanguarda, neoconservadores, profissionais antiguerra, marxistas revolucionários... a lista se estende infinitamente. Cada um mobilizado em torno de questões perceptíveis de preocupação imediata, questões incitando protestos anti “o estado de coisas”. Mas muito poucos nutriram motivações antissistêmicas ulteriores. Com o anti-intelectualismo rampante, contudo, diferenças básicas separando revolucionários e não-revolucionários nunca apareceram. O novo esquerdismo, portanto, falhou tristemente se o julgarmos por seu próprio critério original. Enquanto instigava a ação social, em sua perspectiva revolucionária original esta ação, em geral, era sem sentido e insubstancial. Na medida em que o capitalismo se reformava, a maioria dos novos esquerdistas se desmobilizava, e a coalizão se desfazia. Antigos membros entraram em corporações e posições profissionais, ou foram buscar preenchimento emocional noutro lugar, talvez em grupos religiosos ou de culto. Quando movimentos políticos carecem de substância intelectual, quando eles irrefletidamente unem ativistas heterogêneos, eles provavelmente se dissolvem tão rápido quanto se unem. Portanto, ao desprezar teoria, o novo esquerdismo selou seu próprio desanimador destino.
Conclusão
Ironicamente, os efeitos sociais tanto do novo esquerdismo quanto da Teoria Crítica são idênticos: nenhum libertou ninguém da exploração capitalista. A mensagem histórica parece clara: enquanto ação política pode perpetuar a dominação e refletir o status quo, os movimentos revolucionários baseados somente em crítica abstrata ou ação espontânea não conseguiram lograr êxito. A práxis deve ser reflexivamente inspirada, reflexão concretamente realizada em, e expressa por, ação. Embora a Teoria Crítica e os novos esquerdistas condenem o materialismo não-dialético, reducionista, da ortodoxia, ambos eventualmente sucumbem ao demônio extirpado.
= = =Notas:
[0] Título original: “New Leftism”. Capítulo do livro Neo-Marxism: The Meanings of Modern Radicalism, Londres: Greenwood Press, 1982. Tradução de Ian Caetano, Blog Junho, 2017.= = =
[1] Richard Gombin: The Origins of Modern Leftism (Baltimore, Md. Penguin Books, 1975), pp. 130 e 118. A melhor compilação de documentos significativos da Nova Esquerda está em M. Teodori: The New Left: a documentary history (New York: Bobbs-Merrill, 1969). Uma extensa bibliografia sobre escritos da Nova Esquerda e material de fundo relevante estão ofertados em Lyman T. Sargent: New Left Thought (Homewood, Ill: Dorsey Press). Pp 170-84.
[2] Ver ibid., pp. 35-56
[3] Carl Oglesby, “The idea of the new left”, in: The New Left Reader (New York: Grove Press, 1969), p. 11.
[4] Gombin, The Origins of Modern Leftism, p. 139
[5] Ver especialmente Georges Sorel, Reflections on Violence (Glencoe, Ill: The Free Press, 1950). Ver Também The Illusions of Progress (Berkeley: University of California Press, 1969), Matériaux d’une théorie du proletariat (Paris: Rivière, 1919), e The Decomposition of Marxism (New York: Humanities Press, 1961).
[6] O termo “Grupo Arguments” denota o trabalho aparecendo em três jornais similares do pós-guerra: Arguments, Internationale Situationniste e Socialisme ou Barbarie. Os membros incluíam H. Lefebvre, E. Morin, J. Duvignaud, P. Fougeyrollas, C. Audry, K. Axelos, D. Mascole, F. Chatelet e R. Barthes. Ver Mark Poster: Existential Marxism in Post-War France (Princeton: Princeton University Press, 1975), pp. 209-14.
[7] Gombin, The Origins of Modern Leftism, p. 54.
[8] Ibid., p. 74.
[9] Oglesby, “The idea of the new left”, p. 154.
[10] Rudy Dutschke, “On Anti-authoritarianism”, in: ibid., p. 251.
[11] Daniel Cohn-Bendit, “The Battle of the Streets”, in: ibid., p. 266
[12] James Weinstein, Ambiguous Legacy (New York: Franklin Watts, 1975)
[13] S. Aronowitz, “Introduction”. In: Max Horkheimer, Critical Theory – Selected Essays, p. xi.
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