por Gabriel Magalhães Beltrão
A Voz do Povo
Bolsonaro
e os militares esperam – e trabalham para – o surgimento de alguma
querela que envolva o Congresso, o “Centrão” mais específica e
principalmente, e o STF para daí extrair uma sinergia suficiente para
impulsionar alguma ação parlamentar que restrinja as prerrogativas do
Judiciário, da Suprema Corte mais especificamente. Tratar-se ia,
portanto, de um golpe aveludado. O caso do deputado fascista Daniel
Silveira foi apenas um ensaio tendo em vista este objetivo de instaurar
um conflito institucional na Praça dos Três Poderes, sem que tenha
aparentemente o potencial para tal, ao menos até aqui. Aguardemos os
desdobramentos.
Não é de hoje que os fascistas bolsonaristas e
os militares comungam deste objetivo de reduzir o papel do Judiciário no
equilíbrio entre os Poderes. O ano de 2020 explicitou isso, quando
buscaram enquadrar o STF e concentrar poderes no Executivo de forma
grosseira, mais próxima de um golpe clássico, tentando se criar um clima
de insolvência institucional que justificasse perante a Constituição
(na leitura golpista, por óbvio) uma intervenção militar sanitizadora.
Essa tática para se atingir o objetivo estratégico falhou, não contou
com apoio do grosso do Parlamento, da classe política e, principalmente,
das classes dominantes. A tática foi alterada não somente por causa da
prisão do Queiroz e das ofensivas do STF contra o clã Bolsonaro e as
hordas fascistas. Atribuir ao STF e ao Congresso o papel de causa-mor do
enquadramento institucional do governo é, a meu ver, um equívoco
analítico de substrato liberal. Antes mesmo da ofensiva jurídica para
acuá-lo politicamente, Bolsonaro já havia iniciado tratativas com o
“Centrão” no Congresso, o qual, diga-se de passagem, é produto da
engenharia política do Planalto ainda em 2019, depurando-o de segmentos
da direita liberal capitaneados por Maia.
O que isso quer dizer?
Que o Bolsonaro e os militares sempre trabalham com, ao menos, dois
cenários, implementam simultaneamente duas táticas, A e B. Até o
bloqueio definitivo da ruptura institucional (entre maio e junho de
2020), Bolsonaro executou a tática A, tentando produzir o caos
institucional para pavimentar o golpe junto com as FAs, mas,
concomitantemente, articulava com o “Centrão”, tática B, para a hipótese
da tática A não obter êxito. Foi o que ocorreu, o golpe não veio, mas
as bases para o pós-intentona golpista frustrada já estavam erigidas,
não se tratando de uma costura aleatória e desesperada. Tratou-se de um
recuo? Sim, mas um recuo tático, que não deixou de lado a perspectiva
estratégica, o que implica em concluir que na relação do Planalto com o
Congresso há sim potencial rupturista.
No salto de qualidade da
relação entre Bolsonaro e o “Centrão” (acrescido de supostos “liberais” e
até de supostos elementos de “esquerda”) ocorrido nas últimas eleições
do Congresso, opera-se também duas táticas, continuando com a estratégia
de concentração de poderes com o esvaziamento do Judiciário (STF). A
tática A agora não perspectiva mais esta concentração de poderes via
Forças Armadas (FAs) e a invocação ao Artigo 142 da Constituição Federal
(CF), mas por intermédio de uma engenharia política complexa e
sofisticada, que cimente ainda mais a relação do Planalto com o
“Centrão” e sua maioria parlamentar, por hora ainda frouxa para tal.
Bolsonaro precisa criar uma sinergia tóxica entre Planalto e Congresso
que pavimente um esvaziamento político-institucional do STF, consagrado
no direito positivo ou não, o que dependerá da temperatura política da
crise institucional e da própria sinergia. Não é fácil, é óbvio, teriam
que aparar as arestas na relação entre ambos os Poderes na divisão do
butim, contudo, como no Brasil o Executivo tem muita potência
orçamentária isso poderia se dar por questões até prosaicas. E lembrando
que o “Centrão” tem mais afinidades políticas e ideológicas com o
bolsonarismo do que contradições. Em tese é possível acomodar os
interesses corporativos do Congresso numa engenharia política dessa.
Isso não pode ser descartado.
Pela
tática que está sendo executada por Bolsonaro, não parece que ele irá
radicalizar na causa do deputado fascista. Ainda não é o momento, não
está maduro. Para ele, há de chegar o momento de se atingir essa
sinergia golpista. Enquanto tática B, Bolsonaro vai às urnas em 2022 com
o apoio da maior parte da direita, dado o grau de vazio político na
direita liberal. Acena e aprova medidas que mantêm o conjunto do bloco
no poder na defesa do seu mandato, com forte possibilidade de se
converter em apoio eleitoral em 2022. Ele e as FAs, contudo, trabalham
diuturnamente pela tática A, mas sem perder de vista a tática B. Essa
garante sua manutenção no governo e sua busca permanente por alterar em
definitivo o regime político. Ele sabe que longe do poder (governo) tudo
não passa de uma ilusão.
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