por Raphael Silva Fagundes
Tanto o 4 de julho nos EUA quanto o 7 de setembro no Brasil marcaram um acordo entre as elites para se proclamar a Independência de ambos os países, em relação às suas respectivas metrópoles.
A diferença (que aqui abordo de forma superficial) é que os colonos norte-americanos conquistaram a liberdade por meio de uma guerra contra as forças metropolitanas. Já os brasileiros investiram no uso da força para combater os próprios brasileiros, elites regionais que viam mais vantagens em permanecer colônia e que não aceitavam se submeter aos interesses das elites cariocas próximas a D. Pedro I.
Mas existe um elemento que aproxima as duas nações e as torna, praticamente, irmãs siamesas. Ambas mantiveram a escravidão após o processo emancipatório. Contudo, as elites brasileiras não defendiam a escravidão por meio de uma doutrina ou moral, como faziam os sulistas nos EUA.
De acordo com Barbara Weinstein, a escravidão no Brasil era vista como algo momentâneo, não fazia parte do projeto de nação que se almejava. Mas no Sul dos Estados Unidos, o pensamento era completamente diferente. Os sulistas criticavam “a imoralidade do capitalismo de livre-comércio” e a “desumanidade de um sistema trabalhista, no qual as relações entre empregador e empregado fossem medidas exclusivamente pela motivação do lucro”.[1]
Nos EUA, a escravidão se tornou um projeto de nação. Este fenômeno levou ao conflito que dilacerou o país, forjando uma nova identidade nacional.
Contudo, pelo fato de a escravidão ter sido um projeto nacional do Sul, após a Guerra de Secessão, a unidade em termos raciais – um dos elementos que impulsionaram a guerra – foi esquecida e o acordo entre os brancos, que buscava diminuir o sentimento de derrota para o Sul, manteve o caráter segregacionista, ou seja, um pequeno pedaço em relação ao projeto de nação sulista antecessor ao conflito permaneceu.[2]
Assim nasce a sociedade racista pós-Guerra de Secessão. No Brasil, por seu turno, o projeto de nação racista adquiriu um formato diferente, embora não inserisse a escravidão. Não encontramos nos discursos produzidos pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, instituição que se dedicou ao longo do século XIX a forjar uma identidade nacional, referências contundentes em relação aos escravos. Parece que não existiam.
Talvez seja porque os escravos não fizessem parte da identidade nacional que o ideal de branqueamento ganhou tanta força. Von Martius, o vencedor em 1843 do concurso que premiou a melhor forma de se escrever a história do Brasil, dizia que “o sangue português, em um poderoso rio, deverá absorver os pequenos confluentes das raças índia e etíope”.
Enquanto que nos EUA os africanos deveriam estar separados para proteger “a pureza da raça branca”, a ideologia do branqueamento, peculiar à elite brasileira, entendia que a mistura entre brancos e negros, com o tempo, iria eliminar a espécie africana, branqueando a população.
São duas perspectivas racistas. Ambas cruéis. Nos EUA, os negros deveriam ficar segregados, reservando a eles as piores condições humanas. No Brasil, por sua vez, se defendia a mistura, um projeto de nação branca, que no futuro se promoveria a prosperidade do país devido ao branqueamento da população.
Thomas Skidmore destaca o raciocínio das elites brasileiras entre 1889 e 1914: “A miscigenação não produzia inevitavelmente ‘degenerados’, mas uma população mestiça sadia, capaz de tronar-se sempre mais branca, tanto cultural quanto fisicamente”.[3]
Sílvio Romero, na Belle Époque, previa o total branqueamento da população brasileira em três ou quatro séculos, inspirando-se em pressupostos racistas e evolucionistas de sua época.[4]
Enfim, (para não nos estender mais neste assunto que daria uma tese), tanto o Brasil quanto os Estados Unidos são nações fundadas em bases racistas, nas quais o elemento discriminatório ainda persiste.
As datas de fundação de ambas as nações devem servir para pensar nas formas de superar os resquícios inconvenientes, que as comemorações e festividades costumam esquecer.
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Referências:
[1] B. Weinstein, Escravidão, cidadania e identidade nacional no Brasil e no Sul dos EUA, in: M. Pamplona e D. Doyle (orgs.), Nacionalismo no Novo Mundo, Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 384.
[2] S-M. Grant, Americanos construindo uma nova nação, 1860-1916, M. Pamplona e D. Doyle (orgs.), Nacionalismo no Novo Mundo, Rio de Janeiro: Record, 2008, p 137-148.
[3] T. Skidmore, Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 81.
[4] R. Ventura, Estilo tropical, São Paulo: Cia das Letras, 1991, p. 51.
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