terça-feira, 25 de junho de 2019

O projeto patriarcal de Fernando Holiday

 

Nota de repúdio ao projeto de lei 0352/2019
 
No dia 28 de maio do corrente ano, o vereador da cidade de São Paulo, capital, Fernando Holiday, propôs um Projeto de Lei que recebeu o número 0352/2019, a ser submetido à votação do legislativo daquela cidade.

O teor do referido projeto possui como objeto a internação compulsória das mulheres que realizam abortamento nos casos não previstos em lei. Dentre outras propostas abjetas, o vereador do Democratas (DEM) e coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL) obriga as mulheres a submeterem-se a tratamento religioso.

Abaixo alguns fragmentos das flagrantes ilicitudes, inconstitucionalidades e inverdades médicas do PL nº 0352/2019:

Art. 2º - O Município só realizará o procedimento do abortamento de feto ou embrião mediante a apresentação de alvará expedido por autoridade judiciária.
§1º - Os alvarás judiciais serão submetidos à Procuradoria-Geral do Município que, se entender que é o caso, oferecerá recurso ou entrará com a medida cabível para suspendê-los e cassá-los.

Art. 3º - Antes de realizar o abortamento, a detentora do alvará aguardará o prazo mínimo de 15 (quinze) dias, em que se submeterá, obrigatoriamente, a:
I - atendimento psicológico com vistas a dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento;
II - atendimento psicossocial que explique sobre a possibilidade de adoção em
detrimento do abortamento;
III - exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos;
IV - demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas.
§1º - Obrigatoriamente, a detentora do alvará terá que passar por todos os procedimentos previstos nesta Lei, bem como ver e ouvir os resultados do exame de imagem e som.
§2º - A gestante cuja gravidez teve origem em violência sexual será assegurada de que a manutenção da gravidez para adoção ou para o exercício do poder familiar por ela própria não implicará qualquer contato com o autor do crime.

Art. 5º - Obrigatoriamente, a gestante passará por atendimento religioso, sempre que ela e seus pais expressarem qualquer forma de teísmo.

 
A barbárie deste Projeto divide-se em duas categorias que devem ser analisadas dialeticamente: a social e a jurídica.

Deve-se apontar, com rigor e explosiva revolta, que o PL nº 0352/2019 apresenta claros sinais de violência e apologia à tortura. A internação compulsória de mulheres é uma evidente tentativa de resgatar períodos manicomiais, de caça às bruxas e de verdadeiro holocausto. É a mais flagrante e repudiante regressão há séculos de luta e avanço. As propostas servem, claramente, para descaracterizar a lucidez e o domínio feminino sobre seus próprios corpos. Assim como miseravelmente perpetuado e acentuado pelo sistema capitalista de opressão e exploração, o PL de Fernando Holiday subjuga o gênero feminino, jogando-nos ao escanteio e à margem de nosso sistema reprodutivo e negando-nos a plena e mais cabal participação política naquilo que é de nossa própria ordem.

Não bastasse, as obrigatoriedades trazidas pelo Projeto, como a sujeição a “exame de imagem e som que demonstre a existência de órgãos vitais, funções vitais e batimentos cardíacos” e “demonstração das técnicas de abortamento, com explicação sobre os atos de destruição, fatiamento e sucção do feto, bem como sobre a reação do feto a tais medidas”, são, nitidamente, métodos de tortura psicológica, que usarão de falácias, mentiras sem fundamento científico e deturpações, ao afirmar que o feto é “fatiado” ou mesmo que ele “reage” ao processo, afim de amedrontar, traumatizar e punir as mulheres que intentam o abortamento.

O Projeto de Lei nº 0352/2019 é absurda regressão há séculos de luta que, pouco a pouco, em passos de lentidão, tem tentado desmistificar o aborto e romper com os estigmas sociais. Principalmente no que tange à regulamentação do estupro, quando em flagrante bárbaro incentivo à criminalização do aborto em casos de violência sexual.

Em igual importância, a categoria jurídica. De uma só vez o mencionado PL fere: a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/1988); o repúdio à tortura e ao tratamento desumano e degradante (artigo 5º, III, da CF/1988); a inviolabilidade do direito de se ter ou não uma crença (artigo 5º, VI, da CF/1988); a privação de direitos por razões de crença particular (artigo 5º , VIII, da CF/1988); a impossibilidade de constranger e submeter qualquer pessoa à sofrimento físico e mental em razão de religião (Lei nº 9.455/1997, que “Define os crimes de tortura e dá outras providências); a limitação dos poderes dos procuradores municipais (Lei nº 13.105/2015, Código de Processo Civil); entre tantas outras inconstitucionalidades e ilicitudes mais.

Inconteste que o Projeto de Lei nº 0352/2019 fere inúmeras normas, estando eivado de vícios que o levam ao veto, pois está totalmente na contramão dos princípios e regramentos previstos na Constituição Federal, bem como das leis federais ordinárias vigentes – especialmente quando condiciona determinação judicial aos poderes limitados dos procuradores municipais e disciplina sobre assuntos que deveriam ser discutidos na Câmara e no Senado, não pelos vereadores de um município.

Assim, para além dos absurdos de ordem minimamente humana, o PL deve ser vetado pela sua incapacidade material e normativa. Ademais, por fazer clara apologia à tortura, deve o vereador relator do Projeto, Fernando Holiday, ser condenado à perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício, nos termos do artigo 1º, §5º, da Lei nº 9.455/1997.

Também é necessário afirmar que, na verdade, o PL nº 0352/2019 é uma tentativa de sobrevivência do próprio MBL que surgiu da onda conservadora pós-2013 e sobreviveu por meio da difusão do antipetismo e, posteriormente, perdeu credibilidade ao apoiar as contrarreformas trabalhista e previdenciária.

Agora, mesmo em tempos de forte conservadorismo e retrocesso, o MBL vem esvaindo forças e sendo cada vez mais desmoralizado. Assim, tentam se sustentar apresentando projetos como esse que, mesmo cientes de sua inexecutabilidade e inconstitucionalidade, têm o condão de dar luz ao Movimento. Por tal razão é que os representantes do MBL no Legislativo os colocam em voga: pois são crentes na eficácia do sensacionalismo e do senso comum – assim como fizeram com a propositura do PL nº 19/2019, em que Fernando Holiday sugere a extinção de cotas raciais em concursos públicos.

No mais, nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro do Estado de São Paulo, permaneceremos atentas e vigilantes a toda e qualquer movimentação no trâmite do referido Projeto. Continuaremos rebatendo as falácias em torno da questão do aborto; seguiremos difundindo os debates de gênero; manteremos nossas denúncias ao sistema capitalista e patriarcal que nos distancia da busca por nossos direitos; e, principalmente, lutaremos incansavelmente em defesa de nossa classe.

Pelo veto do PL Nº 0352/2019 por suas inconstitucionalidades e ilicitudes!
Pela condenação do vereador Fernando Holiday por apologia à tortura!
Pelos direitos reprodutivos das mulheres!
Pela emancipação humana!
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